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Espiritismo Literatura e Leitura 30/11/2004(00031)
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Fenomenologia


Páginas sobre temas e correntes da Filosofia escritas por Rubem Queiroz Cobra
(Site original: www.cobra.pages.nom.br)





Desde Aristóteles até o final da idade média, o caminho para o conhecimento foi o da análise dialética, ou seja, o raciocínio por dedução lógica a partir de certos conceitos básicos sobre Deus e o universo. O método aristotélico foi adotado oficialmente pela Igreja através da obra de são Tomás de Aquino, dominou o ensino e o estudo da natureza a partir de conceitos teológicos sobre Deus e o universo. Por exemplo: se Deus existe, Ele é um ser perfeito e se é um ser perfeito, sua criação das coisas refletirá a Sua perfeição; consequentemente, a órbita dos planetas não pode ser qualquer uma mas deve ser a mais perfeita possível, que é a forma circular, e não a elíptica, porque esta última contem desigualdades. Logo, as estrelas e os planetas situavam-se em esferas perfeitas. Porém Galileu, com sua luneta, descobre que o dogma das esferas celestes é pura fantasia. Ele utilizou o método científico, que busca o conhecimento através da observação e da experimentação.

Basta o exemplo acima para ilustrar a diferença entre chegar o homem ao que existe pela via aristotélica dos conceitos e do pensamento dialético, e chegar ao que existe a partir de si mesmo, pondo-se diante da realidade, diante do universo, para observar e extrair da natureza as evidências que puder colher com o uso da razão. Essa nova atitude naturalista de dúvida, observação, experimentação e estabelecimento de leis, proposta por Francis Bacon, levou rapidamente o homem a sucessivas descobertas na astronomia, na química e na física, e ao aperfeiçoamento sempre crescente da mecânica; e haveria de afetar, também, a filosofia, através do pensamento de filósofos como Locke e Hume, da corrente empirista inglesa.

John Locke (1632-1704) combateu o pensamento de Descartes de que existem algumas idéias que são inatas, o homem as tem no espírito ao nascer, como, por exemplo, a idéia de perfeição. Locke demonstra que todas as idéias são registros de impressões sensíveis, ou são derivadas de combinações entre essas idéias de origem sensível. Portanto, alguma coisa é enviada pelos objetos e é captada por nossos sentidos na formação das idéias. Porém o que é isto que nos envia os sinais? Essa coisa que nos envia sinais, terá ela a forma dos objetos tal qual sentimos pelo tato, pela vista, ou qualquer outro de nossos sentidos?

David Hume agravou o impasse denunciando que a relação de causa e efeito é também algo desconhecido, pois nada encontramos entre causa e efeito senão que a causa é um acidente, e o efeito é um outro acidente que costumeiramente se segue ao primeiro. Estamos habituados a chamar o primeiro acidente de causa apenas porque ele sempre acontece antes do segundo que chamamos de efeito. Portanto, as leis da ciência são, em princípio, questionáveis. Não podem valer como verdade, embora sejam úteis enquanto trazem resultados práticos e conduzem a descobertas de novas relações seqüenciais entre os fatos da observação.

As idéias de Locke abriram caminho para o positivismo, ou seja, o tratamento científico de todos os fenômenos.

Psicologismo. A esta influência da psicologia associativa dos empiristas ingleses (notadamente Locke) sobre a filosofia se chamou Psicologismo. A filosofia ficou fora de moda, "reduzida" a uma psicologia científica vinculada ao positivismo. Os psicologistas entendiam a lógica (domínio da filosofia) positivamente, como ciência, como uma disciplina definidora dos modos associativos do pensamento. Os conteúdos da Lógica seriam as regras para pensar bem.

O filósofo Edmond Husserl enfrenta o Psicologismo e busca restaurar a filosofia e a "lógica pura". Por exemplo, o principio da contradição. Segundo os psicologistas, o princípio de contradição seria a impossibilidade do sistema associativo estar a associar e desassociar ao mesmo tempo. Significaria que o homem não pode pensar que A é "A" e ao mesmo tempo pensar que A é "não A". Husserl opõe-se a isto e diz que o sentido do principio de contradição é que, se A é "A", não pode ser "não A". O princípio da contradição não se refere à possibilidade do pensar, mas à verdade daquilo que é pensado. O principio da contradição, e assim os demais princípios lógicos, têm validez objetiva, isto é, referem-se a alguma coisa como verdadeira ou não, independentemente de como a mente pensa ou o pensamento funciona.

A fenomenologia. Como matemático e lógico, Husserl concebeu a fenomenologia como método para confrontar o psicologismo na lógica. Pretende que a Filosofia se liberte do psicologismo, que não seja ciência do mundo físico mas que, no entanto, utilize a observação e a sistematização, próprias do positivismo, no estudo de seus objetos ideais. Husserl mais tarde ampliou a fenomenologia à totalidade do pensamento humano, criando, com o método fenomenológico, uma "filosofia fenomenológica".

A fenomenologia é, portanto, uma ciência de objetos ideais. É uma ciência a priori e muito importante, pois tem que haver a filosofia para dizer se é verdade ou falsidade o que a ciência empírica, ou o cientista, estão dizendo sobre o mundo físico. Mas, o que são esses objetos idéias aos quais se aplica a observação, e mesmo a experimentação, segundo Husserl?

Quando o homem pensa um objeto, por exemplo, "mesa", tem um pensamento intencional, um pensamento voltado para uma coisa específica que ele imagina e define, de modo que em sua consciência existe uma mesa, independentemente de que uma mesa exista ou tenha existido no mundo real externo. As coisas existem em nossa consciência como "objetos ideais" perpétuos. Os objetos ideais têm realidade, são entes, contêm um "ser", e podem ser examinados e classificados. São como os universais de Platão, que existiam apenas no "mundo inteligível", fora do alcance do homem, mas que, para Husserl, estão na mente humana, como fenômenos mentais. Tudo que podemos saber do mundo resume-se a esses fenômenos, a esses objetos ideais, designados por uma palavra que representa a sua "significação".

Redução fenomenológica. A verdadeira questão para a fenonomenologia não é o mundo que existe, mas sim o modo como o conhecimento do mundo se dá, se realiza, tem lugar. O que Husserl chama redução fenomenológica, ou "epoche", é o método pelo qual tudo que é dado é mudado em um fenômeno que se dá e é conhecido na e pela consciência. Corresponde à descrição dos atos mentais de um modo que é livre de teorias e pressuposições, seja a respeito desses atos mesmos ou a cerca da existência de objetos no mundo que se lhe correspondam. O objeto não precisa de fato existir.

No seu Psychologie von empirischen Standpunkte ("A Psicologia de um ponto de vista empírico"), de 1874, Franz Brentano afirma : "Podemos assim definir os fenômenos psíquicos dizendo que eles são aqueles fenômenos os quais, precisamente por serem intencionais, contem neles próprios um objeto". Isto eqüivale a firmar, como Husserl, que os objetos dos fenômenos psíquicos independem da existência de sua réplica exata no mundo real. A descrição de atos mentais assim envolve a descrição de seus objetos, mas somente como fenômenos e sem assumir ou afirmar sua existência.

Redução eidética. A construção das idéias que o homem tem em sua mente se faz por informação dos sentidos, mas não importa para a fenomenologia como o mundo real afeta os sentidos. Considera que, por influência dos sentidos, existem várias imagens possíveis de um objeto, porém todas elas significando a mesma coisa, constituindo a sua essência, ou seja, todas elas redutíveis ao mesmo significado de mesa, segundo nosso exemplo. Então, todas as imagens de mesa, têm uns certos componentes que fazem com que cada uma dessas imagens signifiquem "mesa", uma mesa maior, menor, alta ou baixa, vista de cima ou de baixo, por uma pessoa míope ou por outra daltônica, não importa, terá sempre aqueles componentes básicos que garantirão a aquele objeto o significado de mesa.

Invariante na Redução eidética. Dar-se conta da consciência não é suficiente, ao contrário. Os vários atos da consciência precisam ser conhecidos nas suas essências, suas estruturas universais e imutáveis. O modo de apreender a essência é o Wesensschau, a intuição das essências e das estruturas essenciais. De comum, o homem forma uma multiplicidade de variações do que é dado, e enquanto mantendo a multiplicidade, o homem focaliza sua atenção naquilo que permanece imutável na multiplicidade, isto é, a essência é esse algo idêntico que continuamente se mantém durante o processo de variação. Husserl, portanto, o chamou invariante. Todas as mesas são redutíveis aos "essenciais" ou seja, todos os fenômenos, todos os objetos ideais que sejam "mesa" possuem a "essência" mesa que são os seus invariantes. Os objetos ideais são essências. A isto Husserl chama "redução eidética".

O ser ideal e o tempo. Os objetos ideais distinguem-se dos reais por um caráter essencial. Os objetos ideais são para Husserl eternos, ou melhor, intemporais. O ser ideal,- o objeto ideal -, é intemporal, e o ser real, - do mundo exterior -, está sujeito ao tempo, existe agora, poderá não existir depois, ou não ter existido antes. A mesa do nosso exemplo pode estar na sala, neste momento, mas não existiu no mundo real antes que o marceneiro a fizesse. Um objeto ideal como o círculo, ou o triângulo, ou a mesa em sua essência, contêm uma validez que não depende do tempo. Por esta razão os objetos ideais sao espécies; não possuem o principio de individuação, não são individualizáveis no tempo

Vivências. Vivência (Erlebnis) é todo o ato psíquico; a fenomenologia, ao envolver o estudo de todas as vivências, tem que englobar o estudo dos objetos das vivências, porque as vivências são intencionais e é nelas essencial a referência a um objeto.

Intuição. O filósofo não precisa duvidar da existência do mundo, como os idealistas radicais duvidam. O que importa é, antes, a maneira pela qual o conhecimento do mundo acontece como intuição, o ato pelo qual a pessoa apreende imediatamente o conhecimento de alguma coisa com que se depara. Também que é um ato primordialmente dado sobre o qual todo o resto é para ser fundado. Husserl definiu a fenomenologia em termos de um retorno à intuição (Anschauung) e a percepção da essência Além do mais, a ênfase de Husserl sobre a intuição precisa ser entendida como uma refutação de qualquer abordagem meramente especulativa da filosofia. Sua abordagem é concreta, trata do fenômeno dos vários modos de consciência.

Portanto o que o filósofo deve examinar é a relação entre a consciência e o Ser, e, ao fazê-lo, ele precisa se conscientizar de que, do ponto de vista da epistemologia, do conhecimento, o Ser somente é acessível a ele como um correlato do ato de consciência. Ele tem que prestar cuidadosa atenção ao que ocorre nesse atos. Alguns fenomenologistas também salientam a necessidade de se estudar os modos pelos quais o fenômeno aparece na consciência intencional (direcionada ao objeto) do homem. No entanto, a fenomenologia não restringe seus dados à faixa das experiências sensíveis mas admite, em igualdade de termos, dados não sensíveis (categoriais) como as relações de valor, desde que se apresentem intuitivamente. Consequentemente, a fenomenologia não rejeita os universais.

A linguagem. Para o fenomenologista, a função das palavras não é nomear tudo que nós vemos ou ouvimos, mas salientar os padrões recorrentes em nossa experiência. Identificam nossos dados dos sentidos atuais como sendo do mesmo grupo ou tipo que outros que já tenhamos registrado antes. Uma palavra, então, descreve, não uma única experiência, mas um grupo ou um tipo de experiências; a palavra "mesa" descreve todos os vários dados dos sentidos que nós consultamos normalmente quanto às aparências ou às sensações de "mesa". Assim, tudo que o homem pensa, quer, ama ou teme, é intencional, isto é, refere-se a um desses universais (que são significados e, como tal, são fenômenos da consciência).E por sua vez, o conjunto dos fenômenos, o conjunto das significações, tem um significado maior, que abrange todos os outros, é o que a palavra "Mundo" significa.

Redução transcendental. Esta parece não ter sido explicada por Husserl de modo definitivo. Parece corresponder a uma visão interior (insight) completa que torna o comportamento transparente em sua integridade e faz o indivíduo compreender como o significado surge, como o significado está baseado em outros significados, como os estratos em um processo de sedimentação. Cria a consciência do tempo através dos atos de "protenção" (futuro) e retenção (passado). Husserl trabalhou no esclarecimento da redução transcendental até o ultimo momento de sua vida.

O fenomenalismo. A femonomenologia não pode, por isso, ser confundida com o fenomenalismo. Este não leva em conta a complexidade da estrutura intencional da consciência que o homem tem dos fenômenos. A fenomenologia, diferentemente do fenomenalismo, examina a relação entre a consciência e o Ser. Para o fenomenalismo, tudo que existe são as sensações ou possibilidades permanentes de sensações, que é aquilo a que chamam fenômeno. É materialista. O fenomenologista, diferentemente do fenomenalista, precisa prestar atenção cuidadosa ao que ocorre nos atos da consciência, é o que ele chama fenômeno.

Influência. O movimento fenomenológico, que começou então a tomar forma difundido principalmente através dos 11 volumes de sua publicação Jahrbuch für Philosophie und phänomenologische Forschung (1913-30), do qual Husserl foi o principal editor. Influiu não somente sobre filósofos mas também sobre psicólogos e sociólogos. Os existencialistas que o seguiram, principalmente Martin Heidegger , Jean-Paul Sartre, e Maurice Merleau-Ponty, se intitularam fenomenologistas.

Heidegger, dedicou a Husserl sua obra fundamental, Sein und Zeit (1927; "O Ser e o Tempo"). Foi seu discípulo mas logo surgiram diferenças entre ele e o mestre. Discutir e absorver os trabalhos de importantes filósofos na história da metafísica era, para Heidegger, uma tarefa indispensável, enquanto Husserl repetidamente enfatizou a importância de um começo radicalmente novo e, com poucas exceções (entre elas Descartes, Locke, Hume, e Kant), queria excluir, por entre parênteses, a história da filosofia.

Sartre segue estritamente o pensamento de Husserl na análise da consciência em seus primeiros trabalhos, L'Imagination (1936) e L'Imaginaire: Psychologie phénoménologique de l'imagination (1940), nos quais faz a distinção entre a consciência perceptual e a consciência imaginativa aplicando o conceito de intencionalidade de Husserl.

Merleau-Ponty, outro importante representante do Existencialismo na França, foi ao mesmo tempo o mais importante fenomenologista francês. Suas obras, La Estruture du comportement (1942) e Phénoménologie de la perception (1945), foram os mais originais desenvolvimentos e aplicações posteriores da fenomenologia produzidos na França.

O mais original e dinâmico dos primeiros associados de Husserl, no entanto, foi Max Scheler, que havia integrado o grupo de Munique quem realizou seu principal trabalho fenomenológico com respeito a problemas do valor e da obrigação.Ampliou a idéia de intuição, colocando, ao lado de uma intuição intelectual, outra de caracter emocional, fundamento da apreensão do valor.

A fenomenologia e a psicologia. De grande importância foi o impacto da fenomenologia na psicologia, na qual Franz Brentano e o alemão Carl Stumpf haviam preparado o terreno, e na qual o psicólogo americano William James, a escola de Würzburg, e os psicólogos da Gestalt haviam trabalhado ao longo de linhas paralelas.

Mas a fenomenologia deu provavelmente sua maior contribuição no campo da psiquiatria, no qual o alemão German Karl Jaspers, um destacado existencialista contemporâneo, ressaltou a importância da investigação fenomenológica da experiência subjetiva de um paciente. Jaspers foi seguido pelo suíço Ludwig Binswanger e vários outros, inclusive Ronald David Laing na Inglaterra, na psiquiatria existencial da linha filosófica ateia de Sartre; Viktor Frankl, com sua teoria da logotherapia, na Áustria e, pioneiramente, Halley Bessa, no Brasil, ambos da linha do existencialismo cristão de Gabriel Marcel.

Crítica. Dentro da filosofia os críticos da fenomenologia são principalmente os existencialistas, que em muitos respeitos são fenomenologistas, mas que consideram a existência humana imprópria para análise e descrição fenomenalógica, porque isto significa tentar objetivar o não objetivável.

Na psicologia, a objeção que se levanta é contra a possibilidade de se viver com o paciente sua própria visão do mundo, de sua situação e de si mesmo. É impossível ter o terapeuta uma intuição desses aspectos inteiramente livre do seu próprio eu, do seu próprio pensar. É duvidoso que, na intuição humana, os fatos da consciência pudessem se dar tão imediatamente de modo a evitar introduzirem-se ao mesmo tempo certas interpretações.



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