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Espiritismo Literatura e Leitura 30/11/2004(00030)
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"Estou condenado a ser livre"

Realmente, só pelo fato de ser consciente das causas que inspiram minhas ações, estas causas já são objetos transcendentes para minha consciência; elas estão fora. Em vão tentaria apreendê-las. Escapo delas pela minha própria existência. Estou condenado a existir para sempre além da minnha essência, além das causas e motivos dos meus atos. Estou condenado a ser livre. Isso quer dizer que nenhum limite para minha liberdade pode ser estabelecido exceto a própria liberdade, ou, se voce preferir; que nós não somos livres para deixar de ser livres.

Jean-Paul Sartre, O Ser e o Nada (1943), Quarta parte



Quando alguém lhe relembra que "esse é um país livre", você sabe o que isso significa. Você é geralmente livre para fazer o que quiser (isso é chamado de liberdade "positiva"), e está geralmente livre de ser perseguido por suas idéias (liberdade "negativa"). Tal verdade positiva envolve escolhas; liberdade negativa, conseqüências.

Essas duas liberdades gêmeas são realmente maravilhosas e temos sorte de têlas. Mas a palavra importante aqui é sorte. Se amanhã, numa eventualidade improvável, um ditador viesse a tomar o puder, nossas preciosas liberdades poderiam ser abolidas em um segundo. Que restaria? Existe algum tipo essencial de liberdade que jamais possa ser tirada de nós?

Segundo Jean-Paul Sartre (* 1905 † 1980) (França França) (Nobel de Literatura em 1964), o líder dos filósofos existencialistas deste século, a resposta é sim. Isso é bom, mas só em parte. Sartre diz que ser humano e ser completamente livre, para sempre ter o poder da escolha. Mas a única coisa que não podemos escolher é renunciar à escolha, ou citando o paradoxo de Sartre: "Estou condenado a ser livre". Escolher não agir é ainda uma escolha. Esse e o dilema existencial.

A filosofia de Sartre sobre a liberdade deriva de seus estudos sobre fenomenologia, a filosofia da consciência pura. A seu ver o que distingue a consciência é que ela tanto pertence ao mundo como não pertence ao mundo. Quando refletimos sobre como pensamos, quando nos tornamos autoconscientes, tratamos nosso pensamento como se ele fosse um. objeto no mundo. Dizer "eu fiquei confuso com esta explicação" é transcender nosso próprio pensamento e refletir sobre ele. Mas o mundo, da forma corno o conhecemos, é apenas uma reunião de todos os tais objetos "transcendentes": coisas que percebemos e sobre as quais pensamos.

Ao mesmo tempo, a consciência não é do mundo. Quando sonhamos, somos desligados de qualquer sentido externo. Quando imaginamos - por exemplo, quando fantasiamos sobre ganhar na loteria saímos do presente (o mundo como ele é) e projetamos um futuro melhor (o mundo como ele não é) Corno esse futuro não é real, ele é não-existente: ele é o nada.

De acordo com Sartre, toda ação surge desse nada Se você estivesse sempre diretamente sintonizado ao presente, incapaz de escapar dele, você não só não poderia imaginar como também nao poderia agir. O presente é apenas o que é e a menos que voce considere como as coisas poderiam ser diferentes não existe motivo para se fazer nada.

A famosa "náusea" de Sartre surge da absoluta liberdade de escolha, a consciência de que você é sempre capaz de qualquer ato possível. Por exemplo, pode acontecer que em um dado momento você escolha se matar; e esse pensamento - que abre um abismo profundo no eu gera ansiedade e náusea, (Como você tem a possibilidade de fazer isso, você tem medo de vir a fazer isso.) Estar "condenado a ser livre" significa que somos os únicos responsáveis por gerar, a partir de cada situação, nosso próprio "mundo" -- responsáveis pela escolha de nossas próprias metas, de nossos métodos de alcançá-las, de nossas respostas à ansiedade da escolha. Talvez você escolha se matar; ou talvez, pelo menos, você opte por continuar fazendo suas opções.

Muitas pessoas, no entanto, recusam-se a encarar estes fatos, porque não podem suportar a idéia de que são responsáveis pelo seu mundo. Como já disseram muitos analistas de nossa época, nós preferimos nos ver mais como vítimas do que como adultos responsáveis. Pomos a culpa de nossas péssimas escolhas, ou de nossos esforços fracassados, em uma infância infeliz, na opressão cultural, na classe social, no preconceito, ou na sociedade em geral, Sartre não negaria que infâncias infelizes e preconceitos existem e são maus. Mas ele rotulou de "má fé" a recusa em assumir nossas livres escolhas para interpretar e responder aos fatos da vida.

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