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Espiritismo Literatura e Leitura 22/11/2004(00005)
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“Jamais os bons Espíritos foram os instigadores do mal; jamais aconselharam ou legitimaram o assassínio e a violência”

Santo Agostinho (O Livro dos Espíritos)



“Quando banida se acha para sempre das legislações humanas a era das cegas represálias, é que esperais mantê-la no ideal?”

PAULO, apóstolo. (O Livro dos Espíritos)


O Livro dos Espíritos - Da Lei de Destruição
O Bem e o Mal
Progresso da Legislação Humana
Da Lei de Justiça, de Amor e de Caridade
Direito de propriedade. Roubo
Caracteres do homem de bem
Sacrifício da própria vida
O Evangelho Segundo o Espiritismo - Bem-Aventurados os que são Misericordiosos
Amai os Vossos Inimigos
A Gênese - Sinais dos Tempos



O LIVRO DOS ESPÍRITOS - DA LEI DE DESTRUIÇÃO

728. É lei da Natureza a destruição?

“Preciso é que tudo se destrua para renascer e se regenerar. Porque, o que chamais destruição não passa de uma transformação, que tem por fim a renovação e melhoria dos seres vivos.”



a) - O instinto de destruição teria sido dado aos seres vivos por desígnios providenciais?

“As criaturas são instrumentos de que Deus se serve para chegar aos fins que objetiva. Para se alimentarem, os seres vivos reciprocamente se destroem, destruição esta que obedece a um duplo fim: manutenção do equilíbrio na reprodução, que poderia tornar-se excessiva, e utilização dos despojos do invólucro exterior que sofre a destruição. Esse invólucro é simples acessório e não a parte essencial do ser pensante. A parte essencial é o princípio inteligente, que não se pode destruir e se elabora nas metamorfoses diversas por que passa.”




729. Se a regeneração dos seres faz necessária a destruição, por que os cerca a Natureza de meios de preservação e conservação?

“A fim de que a destruição não se dê antes de tempo. Toda destruição antecipada obsta ao desenvolvimento do princípio inteligente. Por isso foi que Deus fez que cada ser experimentasse a necessidade de viver e de se reproduzir.”



730. Uma vez que a morte nos faz passar a uma vida melhor, nos livra dos males desta, sendo, pois, mais de desejar do que de temer, por que lhe tem o homem, instintivamente, tal horror, que ela lhe é sempre motivo de apreensão?

“Já dissemos que o homem deve procurar prolongar a vida, para cumprir a sua tarefa. Tal o motivo por que Deus lhe deu o instinto de conservação, instinto que o sustenta nas provas. A não ser assim, ele muito freqüentemente se entregaria ao desânimo. A voz íntima, que o induz a repelir a morte, lhe diz que ainda pode realizar alguma coisa pelo seu progresso. A ameaça de um perigo constitui aviso, para que se aproveite da dilação que Deus lhe concede. Mas, ingrato, o homem rende graças mais vezes à sua estrela do que ao seu Criador.”



731. Por que, ao lado dos meios de conservação, colocou a Natureza os agentes de destruição?

“É o remédio ao lado do mal. Já dissemos: para manter o equilíbrio e servir de contrapeso.”



732. Será idêntica, em todos os mundos, a necessidade de destruição?

“Guarda proporções com o estado mais ou menos material dos mundos. Cessa, quando o físico e o moral se acham mais depurados. Muito diversas são as condições de existência nos mundos mais adiantados do que o vosso.”



733. Entre os homens da Terra existirá sempre a necessidade da destruição?

“Essa necessidade se enfraquece no homem, à medida que o Espírito sobrepuja a matéria. Assim é que, como podeis observar, o horror à destruição cresce com o desenvolvimento intelectual e moral.”



742. Que é que impele o homem à guerra?

“Predominância da natureza animal sobre a natureza espiritual e transbordamento das paixões. No estado de barbaria, os povos um só direito conhecem - o do mais forte. Por isso é que, para tais povos, o de guerra é um estado normal. À medida que o homem progride, menos freqüente se torna a guerra, porque ele lhe evita as causas, fazendo-a com humanidade, quando a sente necessária.”



743. Da face da Terra, algum dia, a guerra desaparecerá?

“Sim, quando os homens compreenderem a justiça e praticarem a lei de Deus. Nessa época, todos os povos serão irmãos.”



746. É crime aos olhos de Deus o assassínio?

“Grande crime, pois que aquele que tira a vida ao seu semelhante corta o fio de uma existência de expiação ou de missão. Aí é que está o mal.”



747. É sempre do mesmo grau a culpabilidade em todos os casos de assassínio?

“Já o temos dito: Deus é justo, julga mais pela intenção do que pelo fato.”



748. Em caso de legítima defesa, escusa Deus o assassínio?

“Só a necessidade o pode escusar. Mas, desde que o agredido possa preservar sua vida, sem atentar contra a de seu agressor, deve fazê-lo.”



753. Por que razão a crueldade forma o caráter predominante dos povos primitivos?

“Nos povos primitivos, como lhes chamas, a matéria prepondera sobre o Espírito. Eles se entregam aos instintos do bruto e, como não experimentam outras necessidades além das da vida do corpo, só da conservação pessoal cogitam e é o que os torna, em geral, cruéis. Demais, os povos de imperfeito desenvolvimento se conservam sob o império de Espíritos também imperfeitos, que lhes são simpáticos, até que povos mais adiantados venham destruir ou enfraquecer essa influência.”



757. Pode-se considerar o duelo como um caso de legítima defesa?

“Não; é um assassínio e um costume absurdo, digno dos bárbaros. Com uma civilização mais adiantada e mais moral, o homem compreenderá que o duelo é tão ridículo quanto os combates que outrora se consideravam como o juízo de Deus.”



758. Poder-se-á considerar o duelo como um assassínio por parte daquele que, conhecendo a sua própria fraqueza, tem a quase certeza de que sucumbirá?

“É um suicídio.”



a) - E quando as probabilidades são as mesmas para ambos os duelistas, haverá assassínio ou suicídio?

“Um e outro.”

Em todos os casos, mesmo quando as probabilidades são idênticas para ambos os combatentes, o duelista incorre em culpa, primeiro, porque atenta friamente e de propósito deliberado contra a vida de seu semelhante; depois, porque expõe inutilmente a sua própria vida, sem proveito para ninguém.”



759. Que valor tem o que se chama ponto de honra, em matéria de duelo?

“Orgulho e vaidade: dupla chaga da Humanidade.”



a) - Mas, não há casos em que a honra se acha verdadeiramente empenhada e em que uma recusa fora covardia?

“Isso depende dos usos e costumes. Cada país e cada século tem a esse respeito um modo de ver diferente. Quando os homens forem melhores e estiverem mais adiantados em moral, compreenderão que o verdadeiro ponto de honra está acima das paixões terrenas e que não é matando, nem se deixando matar, que repararão agravos.”

Há mais grandeza e verdadeira honra em confessar-se culpado o homem, se cometeu falta, ou em perdoar, se de seu lado esteja a razão, e, qualquer que seja o caso, em desprezar os insultos, que o não podem atingir.



760. Desaparecerá algum dia, da legislação humana, a pena de morte?

“Incontestavelmente desaparecerá e a sua supressão assinalará um progresso da Humanidade. Quando os homens estiverem mais esclarecidos, a pena de morte será completamente abolida na Terra. Não mais precisarão os homens de ser julgados pelos homens. Refiro-me a uma época ainda muito distante de vós.”

Sem dúvida, o progresso social ainda muito deixa a desejar. Mas, seria injusto para com a sociedade moderna quem não visse um progresso nas restrições postas à pena de morte, no seio dos povos mais adiantados, e à natureza dos crimes a que a sua aplicação se acha limitada. Se compararmos as garantias de que, entre esses mesmos povos, a justiça procura cercar o acusado, a humanidade de que usa para com ele, mesmo quando o reconhece culpado, com o que se praticava em tempos que ainda não vão muito longe, não poderemos negar o avanço do gênero humano na senda do progresso.



761. A lei de conservação dá ao homem o direito de preservar sua vida. Não usará ele desse direito, quando elimina da sociedade um membro perigoso?

“Há outros meios de ele se preservar do perigo, que não matando. Demais, é preciso abrir e não fechar ao criminoso a porta do arrependimento.”



762. A pena de morte, que pode vir a ser banida das sociedades civilizadas, não terá sido de necessidade em épocas menos adiantadas?

“Necessidade não é o termo. O homem julga necessária uma coisa, sempre que não descobre outra melhor. À proporção que se instrui, vai compreendendo melhormente o que é justo e o que é injusto e repudia os excessos cometidos, nos tempos de ignorância, em nome da justiça.”



763. Será um indício de progresso da civilização a restrição dos casos em que se aplica a pena de morte?

“Podes duvidar disso? Não se revolta o teu Espírito, quando lês a narrativa das carnificinas humanas que outrora se faziam em nome da justiça e, não raro, em honra da Divindade; das torturas que se infligiam ao condenado e até ao simples acusado, para lhe arrancar, pela agudeza do sofrimento, a confissão de um crime que muitas vezes não cometera? Pois bem! Se houvesses vivido nessas épocas, terias achado tudo isso natural e talvez mesmo, se foras juiz, fizesses outro tanto. Assim é que o que pareceu justo, numa época, parece bárbaro em outra. Só as leis divinas são eternas; as humanas mudam com o progresso e continuarão a mudar, até que tenham sido postas de acordo com aquelas.”



764. Disse Jesus: Quem matou com a espada, pela espada perecerá. Estas palavras não consagram a pena de talião e, assim a morte dada ao assassino não constitui uma aplicação dessa pena?

“Tomai cuidado! Muito vos tendes enganado a respeito dessas palavras, como acerca de outras. A pena de talião é a justiça de Deus. É Deus quem a aplica. Todos vós sofreis essa pena a cada instante, pois que sois punidos naquilo em que haveis pecado, nesta existência ou em outra. Aquele que foi causa do sofrimento para seus semelhantes virá a achar-se numa condição em que sofrerá o que tenha feito sofrer. Este o sentido das palavras de Jesus. Mas, não vos disse ele também: Perdoai aos vossos inimigos? E não vos ensinou a pedir a Deus que vos perdoe as ofensas como houverdes vós mesmos perdoado, isto é, na mesma proporção em que houverdes perdoado, compreendei-o bem?”



887. Jesus também disse: Amai mesmo os vossos inimigos. Ora, o amor aos inimigos não será contrário às nossas tendências naturais e a inimizade não provirá de uma falta de simpatia entre os Espíritos?

“Certo ninguém pode votar aos seus inimigos um amor terno e apaixonado. Não foi isso o que Jesus entendeu de dizer. Amar os inimigos é perdoar-lhes e lhes retribuir o mal com o bem. O que assim procede se torna superior aos seus inimigos, ao passo que abaixo deles se coloca , se procura tomar vingança.”



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O Bem e o Mal

629. Que definição se pode dar da moral?

“A moral é a regra de bem proceder, isto é, de distinguir o bem do mal. Funda-se na observância da lei de Deus. O homem procede bem quando tudo faz pelo bem de todos, porque então cumpre a lei de Deus.”



630. Como se pode distinguir o bem do mal?

“O bem é tudo o que é conforme à lei de Deus; o mal, tudo o que lhe é contrário. Assim, fazer o bem é proceder de acordo com a lei de Deus. Fazer o mal é infringi-la.”



631. Tem meios o homem de distinguir por si mesmo o que é bem do que é mal?

“Sim, quando crê em Deus e o quer saber. Deus lhe deu inteligência para distinguir um do outro.”



632. Estando sujeito ao erro, não pode o homem enganar-se na apreciação do bem e do mal e crer que pratica o bem quando em realidade pratica o mal?

“Jesus disse: vede o que queríeis que vos fizessem ou não vos fizessem. Tudo se resume nisso. Não vos enganareis.”



633. A regra do bem e do mal, que se poderia chamar de reciprocidade ou de solidariedade, é inaplicável ao proceder pessoal do homem para consigo mesmo. Achará ele, na lei natural, a regra desse proceder e um guia seguro?

“Quando comeis em excesso, verificais que isso vos faz mal. Pois bem, é Deus quem vos dá a medida daquilo de que necessitais. Quando excedeis dessa medida, sois punidos. Em tudo é assim. A lei natural traça para o homem o limite das suas necessidades. Se ele ultrapassa esse limite, é punido pelo sofrimento. Se atendesse sempre à voz que lhe diz - basta, evitaria a maior parte dos males, cuja culpa lança à Natureza.”



635. Das diferentes posições sociais nascem necessidades que não são idênticas para todos os homens. Não parece poder inferir-se daí que a lei natural não constitui regra uniforme?

“Essas diferentes posições são da natureza das coisas e conformes à lei do progresso. Isso não infirma a unidade da lei natural, que se aplica a tudo.” As condições de existência do homem mudam de acordo com os tempos e os lugares, do que lhe resultam necessidades diferentes e posições sociais apropriadas a essas necessidades. Pois que está na ordem das coisas, tal diversidade é conforme à lei de Deus, lei que não deixa de ser una quanto ao seu princípio. À razão cabe distinguir as necessidades reais das fictícias ou convencionais.



636. São absolutos, para todos os homens, o bem e o mal?

“A lei de Deus é a mesma para todos; porém, o mal depende principalmente da vontade que se tenha de o praticar. O bem é sempre o bem e o mal sempre o mal, qualquer que seja a posição do homem. Diferença só há quanto ao grau da responsabilidade.”



637. Será culpado o selvagem que, cedendo ao seu instinto, se nutre de carne humana?

“Eu disse que o mal depende da vontade. Pois bem! Tanto mais culpado é o homem, quanto melhor sabe o que faz.” As circunstâncias dão relativa gravidade ao bem e ao mal. Muitas vezes, comete o homem faltas, que, nem por serem conseqüência da posição em que a sociedade o colocou, se tornam menos repreensíveis. Mas, a sua responsabilidade é proporcional aos meios de que ele dispõe para compreender o bem e o mal. Assim, mais culpado é, aos olhos de Deus, o homem instruído que pratica uma simples injustiça, do que o selvagem ignorante que se entrega aos seus instintos.



638. Parece, às vezes, que o mal é uma conseqüência da força das coisas. Tal, por exemplo, a necessidade em que o homem se vê, nalguns casos, de destruir, até mesmo o seu semelhante. Poder-se-á dizer que há, então, infração da lei de Deus?

“Embora necessário, o mal não deixa de ser o mal. Essa necessidade desaparece, entretanto, à medida que a alma se depura, passando de uma a outra existência. Então, mais culpado é o homem, quando o pratica, porque melhor o compreende.”



639. Não sucede freqüentemente resultar o mal, que o homem pratica, da posição em que os outros homens o colocam? Quais, nesse caso, os culpados?

“O mal recai sobre quem lhe foi o causador. Nessas condições, aquele que é levado a praticar o mal pela posição em que seus semelhantes o colocam tem menos culpa do que os que, assim procedendo, o ocasionaram. Porque, cada um será punido, não só pelo mal que haja feito, mas também pelo mal a que tenha dado lugar.”



640. Aquele que não pratica o mal, mas que se aproveita do mal praticado por outrem, é tão culpado quanto este?

“É como se o houvera praticado. Aproveitar do mal é participar dele. Talvez não fosse capaz de praticá-lo; mas, desde que, achando-o feito, dele tira partido, é que o aprova; é que o teria praticado, se pudera, ou se ousara.”



641. Será tão repreensível, quanto fazer o mal, o desejá-lo?

“Conforme. Há virtude em resistir-se voluntariamente ao mal que se deseja praticar, sobretudo quando há possibilidade de satisfazer-se a esse desejo. Se apenas não o pratica por falta de ocasião, é culpado quem o deseja.”



642. Para agradar a Deus e assegurar a sua posição futura, bastará que o homem não pratique o mal?

“Não; cumpre-lhe fazer o bem no limite de suas forças, porquanto responderá por todo mal que haja resultado de não haver praticado o bem.”



643. Haverá quem, pela sua posição, não tenha possibilidade de fazer o bem?

“Não há quem não possa fazer o bem. Somente o egoísta nunca encontra ensejo de o praticar. Basta que se esteja em relações com outros homens para que se tenha ocasião de fazer o bem, e não há dia da existência que não ofereça, a quem não se ache cego pelo egoísmo, oportunidade de praticá-lo. Porque, fazer o bem não consiste, para o homem, apenas em ser caridoso, mas em ser útil, na medida do possível, todas as vezes que o seu concurso venha a ser necessário.”



645. Quando o homem se acha, de certo modo, mergulhado na atmosfera do vício, o mal não se lhe torna um arrastamento quase irresistível?

“Arrastamento, sim; irresistível, não; porquanto, mesmo dentro da atmosfera do vício, com grandes virtudes às vezes deparas. São Espíritos que tiveram a força de resistir e que, ao mesmo tempo, receberam a missão de exercer boa influência sobre os seus semelhantes.”



----- XXX

Progresso da legislação humana

794. Poderia a sociedade reger-se unicamente pelas leis naturais, sem o concurso das leis humanas?

“Poderia, se todos as compreendessem bem. Se os homens as quisessem praticar, elas bastariam. A sociedade, porém, tem suas exigências. São-lhe necessárias leis especiais.”



795. Qual a causa da instabilidade das leis humanas?

“Nas épocas de barbaria, são os mais fortes que fazem as leis e eles as fizeram para si. À proporção que os homens foram compreendendo melhor a justiça, indispensável se tornou a modificação delas. Quanto mais se aproximam da vera justiça, tanto menos instáveis são as leis humanas, isto é, tanto mais estáveis se vão tornando, conforme vão sendo feitas para todos e se identificam com a lei natural.”



A civilização criou necessidades novas para o homem, necessidades relativas à posição social que ele ocupe. Tem-se então que regular, por meio de leis humanas, os direitos e deveres dessa posição. Mas, influenciado pelas suas paixões, ele não raro há criado direitos e deveres imaginários, que a lei natural condena e que os povos riscam de seus códigos à medida que progridem. A lei natural é imutável e a mesma para todos; a lei humana é variável e progressiva. Na infância das sociedades, só esta pode consagrar o direito do mais forte.



796. No estado atual da sociedade, a severidade das leis penais não constitui uma necessidade?

“Uma sociedade depravada certamente precisa de leis severas. Infelizmente, essas leis mais se destinam a punir o mal depois de feito, do que a lhe secar a fonte. Só a educação poderá reformar os homens, que, então, não precisarão mais de leis tão rigorosas.”



797. Como poderá o homem ser levado a reformar suas leis?

“Isso ocorre naturalmente, pela força mesma das coisas e da influência das pessoas que o guiam na senda do progresso. Muitas já ele reformou e muitas outras reformará. Espera!”



Influência do Espiritismo no progresso

799. De que maneira pode o Espiritismo contribuir para o progresso?

“Destruindo o materialismo, que é uma das chagas da sociedade, ele faz que os homens compreendam onde se encontram seus verdadeiros interesses. Deixando a vida futura de estar velada pela dúvida, o homem perceberá melhor que, por meio do presente, lhe é dado preparar o seu futuro. Abolindo os prejuízos de seitas, castas e cores, ensina aos homens a grande solidariedade que os há de unir como irmãos.”



800. Não será de temer que o Espiritismo não consiga triunfar da negligência dos homens e do seu apego às coisas materiais?

“Conhece bem pouco os homens quem imagine que uma causa qualquer os possa transformar como que por encanto. As idéias só pouco a pouco se modificam, conforme os indivíduos, e preciso é que algumas gerações passem, para que se apaguem totalmente os vestígios dos velhos hábitos. A transformação, pois, somente com o tempo, gradual e progressivamente, se pode operar. Para cada geração uma parte do véu se dissipa. O Espiritismo vem rasgá-lo de alto a baixo. Entretanto, conseguisse ele unicamente corrigir num homem um único defeito que fosse e já o haveria forçado a dar um passo. Ter-lhe-ia feito, só com isso, grande bem, pois esse primeiro passo lhe facilitará os outros.”



Igualdade perante Deus e os homens

822. Sendo iguais perante a lei de Deus, devem os homens ser iguais também perante as leis humanas?

“O primeiro princípio de justiça é este: Não façais aos outros o que não quereríeis que vos fizessem.”



DA LEI DE JUSTIÇA, DE AMOR E DE CARIDADE

873. O sentimento da justiça está em a Natureza, ou é resultado de idéias adquiridas?

“Está de tal modo em a Natureza, que vos revoltais à simples idéia de uma injustiça. É fora de dúvida que o progresso moral desenvolve esse sentimento, mas não o dá. Deus o pôs no coração do homem. Daí vem que, freqüentemente, em homens simples e incultos se vos deparam noções mais exatas da justiça do que nos que possuem grande cabedal de saber.”



874. Sendo a justiça uma lei da Natureza, como se explica que os homens a entendam de modos tão diferentes, considerando uns justo o que a outros parece injusto?

“É porque a esse sentimento se misturam paixões que o alteram, como sucede à maior parte dos outros sentimentos naturais, fazendo que os homens vejam as coisas por um prisma falso.”



875. Como se pode definir a justiça?

“A justiça consiste em cada um respeitar os direitos dos demais.”

a) - Que é o que determina esses direitos?

“Duas coisas: a lei humana e a lei natural. Tendo os homens formulado leis apropriadas a seus costumes e caracteres, elas estabeleceram direitos mutáveis com o progresso das luzes. Vede se hoje as vossas leis, aliás imperfeitas, consagram os mesmos direitos que as da Idade Média. Entretanto, esses direitos antiquados, que agora se vos afiguram monstruosos, pareciam justos e naturais naquela época. Nem sempre, pois, é acorde com a justiça o direito que os homens prescrevem. Demais, este direito regula apenas algumas relações sociais, quando é certo que, na vida particular, há uma imensidade de atos unicamente da alçada do tribunal da consciência.”



876. Posto de parte o direito que a lei humana consagra, qual a base da justiça, segundo a lei natural?

“Disse o Cristo: Queira cada um para os outros o que quereria para si mesmo. No coração do homem imprimiu Deus a regra da verdadeira justiça, fazendo que cada um deseje ver respeitados os seus direitos. Na incerteza de como deva proceder com o seu semelhante, em dada circunstância, trate o homem de saber como quereria que com ele procedessem, em circunstância idêntica. Guia mais seguro do que a própria consciência não lhe podia Deus haver dado.”

Efetivamente, o critério da verdadeira justiça está em querer cada um para os outros o que para si mesmo quereria e não em querer para si o que quereria para os outros, o que absolutamente não é a mesma coisa. Não sendo natural que haja quem deseje o mal para si, desde que cada um tome por modelo o seu desejo pessoal, é evidente que nunca ninguém desejará para o seu semelhante senão o bem. Em todos os tempos e sob o império de todas

as crenças, sempre o homem se esforçou para que prevalecesse o seu direito pessoal. A sublimidade da religião cristã está em que ela tomou o direito pessoal por base do direito

do próximo.



877. Da necessidade que o homem tem de viver em sociedade, nascem-lhe obrigações especiais?

“Certo e a primeira de todas é a de respeitar os direitos de seus semelhante. Aquele que respeitar esses direitos procederá sempre com justiça. Em o vosso mundo, porque a maioria dos homens não pratica a lei de justiça, cada um usa de represálias. Essa a causa da perturbação e da confusão em que vivem as sociedades humanas. A vida social outorga direitos e impões deveres recíprocos.”



878. Podendo o homem enganar-se quanto à extensão do seu direito, que é o que lhe fará conhecer o limite desse direito?

“O limite do direito que, com relação a si mesmo, reconhecer ao seu semelhante, em idênticas circunstâncias e reciprocamente.”



a) - Mas, se cada um atribuir a si mesmo direitos iguais aos de seu semelhante, que virá a ser da subordinação aos superiores? Não será isso a anarquia de todos os poderes?

“Os direitos naturais são os mesmos para todos os homens, desde os de condição mais humilde até os de posição mais elevada. Deus não fez uns de limo mais puro do que o de que se serviu para fazer os outros, e todos, aos Seus olhos, são iguais. Esses direitos são eternos. Os que o homem estabeleceu perecem com as suas instituições. Demais, cada um sente bem a sua força ou a sua fraqueza e saberá sempre ter uma certa deferência para com os que o mereçam por suas virtudes e sabedoria. É importante acentuar isto, para que os que

se julgam superiores conheçam seus deveres, a fim de merecer essas deferências. A subordinação não se achará comprometida, quando a autoridade for deferida à sabedoria.”



879. Qual seria o caráter do homem que praticasse a justiça em toda a sua pureza?

“O do verdadeiro justo, a exemplo de Jesus, porquanto praticaria também o amor do

próximo e a caridade, sem os quais não há verdadeira justiça.”



Direito de propriedade. Roubo

880. Qual o primeiro de todos os direitos naturais do homem?

“O de viver. Por isso é que ninguém tem o de atentar contra a vida de seu semelhante, nem de fazer o que quer que possa comprometer-lhe a existência corporal.”



881. O direito de viver dá ao homem o de acumular bens que lhe permitam repousar quando não mais possa trabalhar?

“Dá, mas ele deve fazê-lo em família, como a abelha, por meio de um trabalho honesto, e não como egoísta. Há mesmo animais que lhe dão o exemplo de previdência.”



882. Tem o homem o direito de defender os bens que haja conseguido juntar pelo seu trabalho?

“Não disse Deus: “Não roubarás?” E Jesus não disse: “Dai a César o que é de César?”

O que, por meio do trabalho honesto, o homem junta constitui legítima propriedade sua, que ele tem o direito de defender, porque a propriedade que resulta do trabalho é um direito natural, tão sagrado quando o de trabalhar e de viver.



883. É natural o desejo de possuir?

“Sim, mas quando o homem deseja possuir para si somente e para sua satisfação pessoal, o que há é egoísmo.”

a) - Não será, entretanto, legítimo o desejo de possuir, uma vez aquele que tem de que viver a ninguém é pesado?

“Há homens insaciáveis, que acumulam bens sem utilidade para ninguém, ou apenas

para saciar suas paixões. Julgas que Deus vê isso com bons olhos? Aquele que, ao contrário, junta pelo trabalho, tendo em vista socorrer os seus semelhantes, pratica a lei de amor e caridade, e Deus abençoa o seu trabalho.”



884. Qual o caráter da legítima propriedade?

“Propriedade legítima só é a que foi adquirida sem prejuízo de outrem.”

Proibindo-nos que façamos aos outros o que não desejáramos que nos fizessem, a lei de amor e de justiça nos proíbe, ipso facto, a aquisição de bens por quaisquer meios que lhe sejam contrários.



885. Será ilimitado o direito de propriedade?

“É fora de dúvida que tudo o que legitimamente se adquire constitui uma propriedade. Mas, como havemos dito, a legislação dos homens, porque imperfeita, consagra muitos direitos convencionais, que a lei de justiça reprova. Essa a razão por que eles reformam suas leis, à medida que o progresso se efetua e que melhor compreendem a justiça. O que num século parece perfeito, afigura-se bárbaro no século seguinte.”



887. Jesus também disse: Amai mesmo os vossos inimigos. Ora, o amor aos inimigos não será contrário às nossas tendências naturais e a inimizade não provirá de uma falta de simpatia entre os Espíritos?

“Certo ninguém pode votar aos seus inimigos um amor terno e apaixonado. Não foi isso o que Jesus entendeu de dizer. Amar os inimigos é perdoar-lhes e lhes retribuir o mal com o bem. O que assim procede se torna superior aos seus inimigos, ao passo que abaixo deles se coloca , se procura tomar vingança.”



889. Não há homens que se vêem condenados a mendigar por culpa sua?

“Sem dúvida; mas, se uma boa educação moral lhes houvera ensinado a praticar a lei de Deus, não teriam caído nos excessos causadores da sua perdição. Disso, sobretudo, é que depende a melhoria do vosso planeta.”



Caracteres do homem de bem

918. Por que indícios se pode reconhecer em um homem o progresso real que lhe elevará o Espírito na hierarquia espírita?

“O espírito prova a sua elevação, quando todos os atos de sua vida corporal representam a prática da lei de Deus e quando antecipadamente compreende a vida espiritual.”



Sacrifício da própria vida

951. Não é, às vezes, meritório o sacrifício da vida, quando aquele que o faz visa salvar a de outrem, ou ser útil aos seus semelhantes?

“Isso é sublime, conforme a intenção, e, em tal caso, o sacrifício da vida não constitui suicídio. Mas, Deus se opõe a todo sacrifício inútil e não o pode ver de bom grado, se tem o orgulho a manchá-lo. Só o desinteresse torna meritório o sacrifício e, não raro, quem o faz guarda oculto um pensamento, que lhe diminui o valor aos olhos de Deus.”

Todo sacrifício que o homem faça à custa da sua própria felicidade é um ato soberanamente meritório aos olhos de Deus, porque resulta da prática da lei de caridade. Ora, sendo a vida o bem terreno a que maior apreço dá o homem, não comete atentado o que a ela renuncia pelo bem de seus semelhantes: cumpre um sacrifício. Mas, antes de o cumprir, deve refletir sobre se sua vida não será mais útil do que sua morte.



954. Será condenável uma imprudência que compromete a vida sem necessidade?

“Não há culpabilidade, em não havendo intenção, ou consciência perfeita da prática

do mal.”





O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

BEM-AVENTURADOS OS QUE SÃO MISERICORDIOSOS

4. A misericórdia é o complemento da brandura, porquanto aquele que não for misericordioso não poderá ser brando e pacífico. Ela consiste no esquecimento e no perdão das ofensas. O ódio e o rancor denotam alma sem elevação, nem grandeza. O esquecimento

das ofensas é próprio da alma elevada, que paira acima dos golpes que lhe possam desferir. Uma é sempre ansiosa, de sombria suscetibilidade e cheia de fel; a outra é calma, toda mansidão e caridade.

Ai daquele que diz: nunca perdoarei. Esse, se não for condenado pelos homens, sê-lo-á por Deus. Com que direito reclamaria ele o perdão de suas próprias faltas, se não perdoa as dos outros? Jesus nos ensina que a misericórdia não deve ter limites, quando diz que cada um perdoe ao seu irmão, não sete vezes, mas setenta vezes sete vezes. Há, porém, duas maneiras bem diferentes de perdoar: uma, grande, nobre, verdadeiramente generosa, sem pensamento oculto, que evita, com delicadeza, ferir o amor-próprio e a suscetibilidade do adversário, ainda quando este último nenhuma justificativa possa ter; a segunda é a em que o ofendido, ou aquele que tal se julga, impõe ao outro condições humilhantes e lhe faz sentir o peso de um perdão que irrita, em vez de acalmar; se estende a mão ao ofensor, não o faz com benevolência, mas com ostentação, a fim de poder dizer a toda gente: vede como sou generoso! Nessas circunstâncias, é impossível uma reconciliação sincera de parte a parte. Não, não há aí generosidade; há apenas uma forma de satisfazer ao orgulho. Em toda contenda, aquele que se mostra mais conciliador, que demonstra mais desinteresse, caridade e verdadeira grandeza d´alma granjeará sempre a simpatia das pessoas imparciais.



14. Quantas vezes perdoarei a meu irmão? Perdoar-lhe-eis, não sete vezes, mas setenta vezes sete vezes. Aí tendes um dos ensinos de Jesus que mais vos devem percutir a inteligência e mais alto falar ao coração. Confrontai essas palavras de misericórdia com a oração tão simples, tão resumida e tão grande em suas aspirações, que ensinou a seus discípulos, e o mesmo pensamento se vos deparará sempre. Ele, o justo por excelência, responde a Pedro: perdoarás, mas ilimitadamente; perdoarás cada ofensa tantas vezes quantas ela te for feita; ensinarás a teus irmãos esse esquecimento de si mesmo, que torna uma criatura invulnerável ao ataque, aos maus procedimentos e às injúrias; serás brando e humilde de coração, sem medir a tua mansuetude; farás, enfim, o que desejas que o Pai celestial por ti faça. Não está ele a te perdoar freqüentemente? Conta porventura as vezes que o seu perdão desce a te apagar as faltas?

Prestai, pois, ouvidos a essa resposta de Jesus e, como Pedro, aplicai-a a vós mesmos. Perdoai, usai de indulgência, sede caridosos, generosos, pródigos até do vosso amor. Dai, que o Senhor vos restituirá; perdoai, que o Senhor vos perdoará; abaixai-vos, que o Senhor vos elevará; humilhai-vos, que o Senhor fará vos assenteis à sua direita.

Ide, meus bem-amados, estudai e comentai estas palavras que vos dirijo da parte d’Aquele que, do alto dos esplendores celestes, vos tem sempre sob as suas vistas e prossegue com amor na tarefa ingrata a que deu começo, faz dezoito séculos. Perdoai aos vossos irmãos, como precisais que se vos perdoe. Se seus atos pessoalmente vos prejudicaram, mais um motivo aí tendes para serdes indulgentes, porquanto o mérito do perdão é proporcionado à gravidade do mal. Nenhum merecimento teríeis em relevar os agravos dos vossos irmãos, desde que não passassem de simples arranhões.

Espíritas, jamais vos esqueçais de que, tanto por palavras, como por atos, o perdão das injúrias não deve ser um termo vão. Pois que vos dizeis espíritas, sede-o. Olvidai o mal que vos hajam feito e não penseis senão numa coisa: no bem que podeis fazer. Aquele que enveredou por esse caminho não tem que se afastar daí, ainda que por pensamento, uma vez

que sois responsáveis pelos vossos pensamentos, os quais todos Deus conhece. Cuidai, portanto, de os expungir de todo sentimento de rancor. Deus sabe o que demora no fundo do coração de cada um de seus filhos. Feliz, pois, daquele que pode todas as noites adormecer dizendo: Nada tenho contra o meu próximo. Simeão. (Bordéus, 1862.)



15. Perdoar aos inimigos é pedir perdão para si próprio; perdoar aos amigos é dar-lhes uma prova de amizade; perdoar as ofensas é mostrar-se melhor do que era. Perdoai, pois, meus amigos, a fim de que Deus vos perdoe, porquanto, se fordes duros, exigentes, inflexíveis, se usardes de rigor até por uma ofensa leve, como querereis que Deus esqueça de que cada dia maior necessidade tendes de indulgência? Oh! ai daquele que diz: "Nunca perdoarei", pois pronuncia a sua própria condenação. Quem sabe, aliás, se, descendo ao fundo de vós mesmos, não reconhecereis que fostes o agressor? Quem sabe se, nessa luta que começa por uma alfinetada e acaba por uma ruptura, não fostes quem atirou o primeiro golpe, se vos não escapou alguma palavra injuriosa, se não procedestes com toda a moderação necessária? Sem dúvida, o vosso adversário andou mal em se mostrar excessivamente suscetível; razão de mais para serdes indulgentes e para não vos tomardes merecedores da invectiva que lhe lançastes. Admitamos que, em dada circunstância, fostes realmente ofendido: quem dirá que não envenenastes as coisas por meio de represálias e que não fizestes degenerasse em querela grave o que houvera podido cair facilmente no olvido? Se de vós dependia impedir as conseqüências do fato e não as impedistes, sois culpados. Admitamos, finalmente, que de nenhuma censura vos reconheceis merecedores: mostrai-vos clementes e com isso só fareis que o vosso mérito cresça. Mas, há duas maneiras bem diferentes de perdoar: há o perdão dos lábios e o perdão do coração. Muitas pessoas dizem, com referência ao seu adversário: "Eu lhe perdôo", mas, interiormente, alegram-se com o mal que lhe advém, comentando que ele tem o que merece. Quantos não dizem: "Perdôo" e acrescentam. "mas, não me reconciliarei nunca; não quero tornar a vê-lo em toda a minha vida." Será esse o perdão, segundo o Evangelho? Não; o perdão verdadeiro, o perdão cristão é aquele que lança um véu sobre o passado; esse o único que vos será levado em conta, visto que Deus não se satisfaz com as aparências. Ele sonda o recesso do coração e os mais secretos pensamentos. Ninguém se lhe impõe por meio de vãs palavras e de simulacros. O esquecimento completo e absoluto das ofensas é peculiar às grandes almas; o rancor é sempre sinal de baixeza e de inferioridade. Não olvideis que o verdadeiro perdão se reconhece muito mais pelos atos do que pelas palavras. – Paulo, apóstolo. (Lyon, 1861.)



18. Caros amigos, sede severos convosco, indulgentes para as fraquezas dos outros. E esta uma prática da santa caridade, que bem poucas pessoas observam. Todos vós tendes maus pendores a vencer, defeitos a corrigir, hábitos a modificar; todos tendes um fardo mais ou menos pesado a alijar, para poderdes galgar o cume da montanha do progresso. Por que, então, haveis de mostrar-vos tão clarividentes com relação ao próximo e tão cegos com relação a vós mesmos? Quando deixareis de perceber, nos olhos de vossos irmãos, o pequenino argueiro que os incomoda, sem atentardes na trave que, nos vossos olhos, vos cega, fazendo-vos ir de queda em queda? Crede nos vossos irmãos, os Espíritos. Todo homem, bastante orgulhoso para se julgar superior, em virtude e mérito, aos seus irmãos encarnados, é insensato e culpado: Deus o castigará no dia da sua justiça. O verdadeiro caráter da caridade é a modéstia e a humildade, que consistem em ver cada um apenas superficialmente os defeitos de outrem e esforçar-se por fazer que prevaleça o que há nele de bom e virtuoso, porquanto, embora o coração humano seja um abismo de corrupção, sempre há, nalgumas de suas dobras mais ocultas, o gérmen de bons sentimentos, centelha vivaz da essência espiritual. Espiritismo! doutrina consoladora e bendita! felizes dos que te conhecem e tiram proveito dos salutares ensinamentos dos Espíritos do Senhor! Para esses, iluminado está o caminho, ao longo do qual podem ler estas palavras que lhes indicam o meio de chegarem ao termo da jornada: caridade prática, caridade do coração, caridade para com o próximo, como para si mesmo; numa palavra: caridade para com todos e amor a Deus acima de todas as coisas, porque o amor a Deus resume todos os deveres e porque impossível é amar realmente a Deus, sem praticar a caridade, da qual fez ele uma lei para todas as criaturas. –Dufêtre, bispo de Nevers. (Bordéus.)



AMAI OS VOSSOS INIMIGOS

Retribuir o mal com o bem

1. Aprendestes que foi dito: “Amareis o vosso próximo e odiareis os vossos inimigos.” Eu, porém, vos digo: “Amai os vossos inimigos; fazei o bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos perseguem e caluniam, a fim de serdes filhos do vosso Pai que está nos céus e que faz se levante o Sol para os bons e para os maus e que chova sobre os justos e os injustos. - Porque, se só amardes os que vos amam, qual será a vossa recompensa? Não procedem assim também os publicanos? Se apenas os vossos irmãos saudardes, que é o que com isso fazeis mais do que os outros? Não fazem outro tanto os pagãos?” (S. MATEUS, cap. V, vv. 43 a 47.)

- “Digo-vos que, se a vossa justiça não for mais abundante que a dos escribas e dos fariseus, não entrareis no reino dos céus.”(S. MATEUS, cap. V, v. 20.)



2. “Se somente amardes os que vos amam, que mérito se vos reconhecerá, uma vez que as pessoas de má vida também amam os que os amam? - Se o bem somente o fizerdes aos que vo-lo fazem, que mérito se vos reconhecerá, dado que o mesmo faz a gente de má vida? - Se só emprestardes àqueles de quem possais esperar o mesmo favor, que mérito se vos reconhecerá, quando as pessoas de má vida se entreajudam dessa maneira, para auferir a mesma vantagem? Pelo que vos toca, amai os vossos inimigos, fazei bem a todos e auxiliai sem esperar coisa alguma. Então, muito grande será a vossa recompensa e sereis filhos do Altíssimo, que é bom para os ingratos e até para os maus. - Sede, pois, cheios de misericórdia, como cheio de misericórdia é o vosso Deus.” (S. LUCAS, cap. VI, vv. 32 a 36.)



3. Se o amor do próximo constitui o princípio da caridade, amar os inimigos é a mais sublime aplicação desse princípio, porquanto a posse de tal virtude representa uma das maiores vitórias alcançadas contra o egoísmo e o orgulho. Entretanto, há geralmente equívoco no tocante ao sentido da palavra amar, neste passo. Não pretendeu Jesus, assim falando, que cada um de nós tenha para com o seu inimigo a ternura que dispensa a um irmão ou amigo. A ternura pressupõe confiança; ora, ninguém pode depositar confiança numa pessoa, sabendo que esta lhe quer mal; ninguém pode ter para com ela expansões de amizade, sabendo-a capaz de abusar dessa atitude. Entre pessoas que desconfiam umas das outras, não pode haver essas manifestações de simpatia que existem entre as que comungam nas mesmas idéias. Enfim, ninguém pode sentir, em estar com um inimigo, prazer igual ao que sente na companhia de um amigo. A diversidade na maneira de sentir, nessas duas circunstâncias diferentes, resulta mesmo de uma lei física: a da assimilação e da repulsão dos fluidos.. O pensamento malévolo determina uma corrente fluídica que impressiona penosamente. O pensamento benévolo nos envolve num agradável eflúvio. Daí a diferença das sensações que se experimenta à aproximação de um amigo ou de um inimigo. Amar os inimigos não pode, pois, significar que não se deva estabelecer diferença alguma entre eles e os amigos. Se este preceito parece de difícil prática, impossível mesmo, é apenas por entender-se falsamente que ele manda se dê no coração, assim ao amigo, como ao inimigo, o mesmo lugar. Uma vez que a pobreza da linguagem humana obriga a que nos sirvamos do mesmo termo para exprimir matizes diversos de um sentimento, à razão cabe estabelecer as diferenças, conforme aos casos.

Amar os inimigos não é, portanto, ter-lhes uma afeição que não está na natureza, visto que o contacto de um inimigo nos faz bater o coração de modo muito diverso do seu bater, ao contacto de um amigo. Amar os Inimigos é não lhes guardar ódio, nem rancor, nem desejos de vingança; é perdoar-lhes, sem pensamento oculto e sem condições, o mal que nos causem; é não opor nenhum obstáculo a reconciliação com eles; é desejar-lhes o bem e não o mal; é experimentar júbilo, em vez de pesar, com o bem que lhes advenha; é socorrê-los, em se apresentando ocasião; é abster-se, quer por palavras, quer por atos, de tudo o que os possa prejudicar; é, finalmente, retribuir-lhes sempre o mal com o bem, sem a intenção de os humilhar.. Quem assim procede preenche as condições do mandamento: Amai os vossos inimigos.



4. Amar os inimigos é, para o incrédulo, um contra-senso. Aquele para quem a vida presente é tudo, vê no seu inimigo um ser nocivo, que lhe perturba o repouso e do qual unicamente a morte. pensa ele, o pode livrar. Daí, o desejo de vingar-se. Nenhum interesse tem em perdoar, senão para satisfazer o seu orgulho perante o mundo. Em certos casos, perdoar-lhe parece mesmo uma fraqueza indigna de si. Se não se vingar, nem por isso deixará de conservar rancor e secreto desejo de mal para o outro. Para o crente e, sobretudo, para o espírita, muito diversa é a maneira de ver, porque suas vistas se lançam sobre o passado e sobre o futuro, entre os quais a vida atual não passa de um simples ponto. Sabe ele que, pela mesma destinação da Terra, deve esperar topar aí com homens maus e perversos; que as maldades com que se defronta fazem parte das provas que lhe cumpre suportar e o elevado ponto de vista em que se coloca lhe torna menos amargas as vicissitudes, quer advenham dos homens, quer das coisas. Se não se queixa das provas, tampouco deve queixar-se dos que lhe servem de instrumento. Se, em vez de se queixar, agradece a Deus o experimentá-lo, deve também agradecer a mão que lhe dá ensejo de demonstrar a sua paciência e a sua resignação. Esta idéia o dispõe naturalmente ao perdão. Sente, além disso, que quanto mais generoso for.. tanto mais se engrandece aos seus próprios olhos e se põe fora do alcance dos dardos do seu inimigo. O homem que no mundo ocupa elevada posição não se julga ofendido com os insultos daquele a quem considera seu inferior. O mesmo se dá com o que, no mundo moral, se eleva acima da humanidade material. Este compreende que o ódio e o rancor o aviltariam e rebaixariam. Ora, para ser superior ao seu adversário, preciso é que tenha a alma maior, mais nobre, mais generosa do que a desse último.



Se alguém vos bater na face direita, apresentai-lhe também a outra

7. Aprendestes que foi dito: olho por olho e dente por dente. - Eu, porém, vos digo que não resistais ao mal que vos queiram fazer; que se alguém vos bater na face direita, lhe apresenteis também a outra; - e que se alguém quiser pleitear contra vós, para vos tomar a túnica, também lhes entregueis o manto; - e que se alguém vos obrigar a caminhar mil passos com ele, caminheis mais dois mil. - Dai àquele que vos pedir e não repilais aquele que vos queira tomar emprestado. (S. MATEUS, cap. V, vv. 38 a 42.)



8. Os preconceitos do mundo sobre o que se convencionou chamar "ponto de honra" produzem essa suscetibilidade sombria, nascida do orgulho e da exaltação da personalidade, que leva o homem a retribuir uma injúria com outra injúria, uma ofensa com outra, o que é tido como justiça por aquele cujo senso moral não se acha acima do nível das paixões terrenas. Por isso é que a lei moisaica prescrevia: olho por olho, dente por dente, de harmonia com a época em que Moisés vivia. Veio o Cristo e disse: Retribui o mal com o bem. E disse ainda: "Não resistais ao mal que vos queiram fazer; se alguém vos bater numa face, apresentai-lhe a outra.” Ao orgulhoso este ensino parecerá uma covardia, porquanto ele não compreende que haja mais coragem em suportar um insulto do que em tomar uma vingança, e não compreende, porque sua visão não pode ultrapassar o presente. Dever-se-á, entretanto, tomar ao pé da letra aquele preceito? Tampouco quanto o outro que manda se arranque o olho, quando for causa de escândalo. Levado o ensino às suas últimas conseqüências, importaria ele em condenar toda repressão, mesmo legal, e deixar livre o campo aos maus, isentando-os de todo e qualquer motivo de temor. Se se lhes não pusesse um freio as agressões, bem depressa todos os bons seriam suas vítimas. O próprio instinto de conservação, que é uma lei da Natureza, obsta a que alguém estenda o pescoço ao assassino. Enunciando, pois, aquela máxima, não pretendeu Jesus interdizer toda defesa, mas condenar a vingança. Dizendo que apresentemos a outra face àquele que nos haja batido numa, disse, sob outra forma, que não se deve pagar o mal com o mal; que o homem deve aceitar com humildade tudo o que seja de molde a lhe abater o orgulho; que maior glória lhe advém de ser ofendido do que de ofender, de suportar pacientemente uma injustiça do que de praticar alguma; que mais vale ser enganado do que enganador, arruinado do que arruinar os outros. E, ao mesmo tempo, a condenação do duelo, que não passa de uma manifestação de orgulho. Somente a fé na vida futura e na justiça de Deus, que jamais deixa impune o mal, pode dar ao homem forças para suportar com paciência os golpes que lhe sejam desferidos nos interesses e no amor-próprio. Daí vem o repetirmos incessantemente: Lançai para diante o olhar; quanto mais vos elevardes pelo pensamento, acima da vida material, tanto menos vos magoarão as coisas da Terra.



9. A vingança é um dos últimos remanescentes dos costumes bárbaros que tendem a desaparecer dentre os homens. E, como o duelo, um dos derradeiros vestígios dos hábitos selvagens sob cujos guantes se debatia a Humanidade, no começo da era cristã, razão por que a vingança constitui indício certo do estado de atraso dos homens que a ela se dão e dos

Espíritos que ainda as inspirem. Portanto, meus amigos, nunca esse sentimento deve fazer vibrar o coração de quem quer que se diga e proclame espírita. Vingar-se é, bem o sabeis, tão contrário àquela prescrição do Cristo: "Perdoai aos vossos inimigos", que aquele que se nega a perdoar não somente não é espírita como também não é cristão. A vingança é uma inspiração tanto mais funesta, quanto tem por companheiras assíduas a falsidade e a baixeza.

Com efeito, aquele que se entrega a essa fatal e cega paixão quase nunca se vinga a céu aberto. Quando é ele o mais forte, cai qual fera sobre o outro a quem chama seu inimigo, desde que a presença deste último lhe inflame a paixão, a cólera, o ódio. Porém, as mais das vezes assume aparências hipócritas, ocultando nas profundezas do coração os maus sentimentos que o animam. Toma caminhos escusos, segue na sombra o inimigo, que de nada desconfia, e espera o momento azado para sem perigo feri-lo. Esconde-se do outro, espreitando-o de contínuo, prepara-lhe odiosas armadilhas e, em sendo propícia a ocasião, derrama-lhe no copo o veneno, Quando seu ódio não chega a tais extremos, ataca-o então na honra e nas afeições; não recua diante da calúnia, e suas pérfidas insinuações, habilmente espalhadas a todos os ventos, se vão avolumando pelo caminho. Em conseqüência, quando o perseguido se apresenta nos lugares por onde passou o sopro do perseguidor, espanta-se de dar com semblantes frios, em vez de fisionomias amigas e benevolentes que outrora o acolhiam. Fica estupefato quando mãos que se lhe estendiam, agora se recusam a apertar as suas. Enfim, sente-se aniquilado, ao verificar que os seus mais caros amigos e parentes se afastam e o evitam, Ah! o covarde que se vinga assim é cem vezes mais culpado do que o que enfrenta o seu inimigo e o insulta em plena face. Fora, pois, com esses costumes selvagens! Fora com esses processos de outros tempos! Todo espírita que ainda hoje pretendesse ter o direito de vingar-se seria indigno de figurar por mais tempo na falange que tem como divisa: Sem caridade não há salvação! Mas, não, não posso deter-me a pensar que um membro da grande família espírita ouse jamais, de futuro, ceder ao impulso da vingança, senão para perdoar. - Júlio Olivier. (Paris, 1862.)



O ódio

10. Amai-vos uns aos outros e sereis felizes. Tomai sobretudo a peito amar os que vos inspiram indiferença, ódio, ou desprezo. O Cristo, que deveis considerar modelo, deu-vos o exemplo desse devotamento, Missionário do amor, ele amou até dar o sangue e a vida por amor, Penoso vos é o sacrifício de amardes os que vos ultrajam e perseguem; mas, precisamente, esse sacrifício é que vos torna superiores a eles. Se os odiásseis, como vos odeiam, não valeríeis mais do que eles. Amá-los é a hóstia imácula que ofereceis a Deus na ara dos vossos corações, hóstia de agradável aroma e cujo perfume lhe sobe até o seio. Se bem a lei de amor mande que cada um ame indistintamente a todos os seus irmãos, ela não couraça o coração contra os maus procederes; esta é, ao contrário, a prova mais angustiosa, e eu o sei bem, porquanto, durante a minha última existência terrena, experimentei essa tortura. Mas Deus lá está e pune nesta vida e na outra os que violam a lei de amor. Não esqueçais, meus queridos filhos, que o amor aproxima de Deus a criatura e o ódio a distancia dele. - Fénelon, (Bordéus, 1861.)



O duelo

11. Só é verdadeiramente grande aquele que, considerando a vida uma viagem que o há de conduzir a determinado ponto, pouco caso faz das asperezas da jornada e não deixa que seus passos se desviem do caminho reto. Com o olhar constantemente dirigido para o termo a alcançar, nada lhe importa que as urzes e os espinhos ameacem produzir-lhe arranhaduras; umas e outros lhe roçam a epiderme, sem o ferirem, nem impedirem de prosseguir na caminhada. Expor seus dias para se vingar de uma injúria é recuar diante das provações da vida, é sempre um crime aos olhos de Deus; e, se não fôsseis, como sois, iludidos pelos vossos prejuízos, tal coisa seria ridícula e uma suprema loucura aos olhos dos homens. Há crime no homicídio em duelo; a vossa própria legislação o reconhece. Ninguém tem o direito, em caso algum, de atentar contra a vida de seu semelhante: é um crime aos olhos de Deus, que vos traçou a linha de conduta que tendes de seguir. Nisso, mais do que em qualquer outra circunstância, sois juizes em causa própria. Lembrai-vos de que somente vos será perdoado, conforme perdoardes; pelo perdão vos acercais da Divindade, pois a clemência e irmã do poder. Enquanto na Terra correr uma gota de sangue humano, vertida pela mão dos homens, o verdadeiro reino de Deus ainda se não terá implantado aí, reino de paz e de amor, que há de banir para sempre do vosso planeta a animosidade, a discórdia, a guerra. Então, a palavra duelo somente existirá na vossa linguagem como longínqua e vaga recordação de um passado que se foi. Nenhum outro antagonismo existirá entre os homens, afora a nobre rivalidade do bem. - Adolfo, bispo de Argel. (Marmande, 1861.)



12. Em certos casos, sem dúvida, pode o duelo constituir uma prova de coragem física, de desprezo pela vida, mas também é, incontestavelmente, uma prova de covardia moral, como o suicídio. O suicida não tem coragem de enfrentar as vicissitudes da vida; o duelista não tem a de suportar as ofensas, Não vos disse o Cristo que há mais honra e valor em apresentar a face esquerda aquele que bateu na direita, do que em vingar uma injúria? Não disse ele a Pedro, no jardim das Oliveiras: "Mete a tua espada na bainha, porquanto aquele que matar com a espada perecerá pela espada?" Assim falando, não condenou, para sempre, o duelo? Efetivamente, meus filhos, que é essa coragem oriunda de um gênio violento, de um temperamento sangüíneo e colérico, que ruge à primeira ofensa? Onde a grandeza d’alma daquele que, à menor injúria, entende que só com sangue a poderá lavar? Ah! que ele trema! No fundo da sua consciência, uma voz lhe bradará sempre: Caim! Caim! que fizeste de teu irmão? Foi-me necessário derramar sangue para salvar a minha honra, responderá ele a essa voz, Ela, porem, retrucará: Procuraste salvá-la perante os homens, por alguns instantes que te restavam de vida na Terra, e não pensaste em salvá-la perante Deus! Pobre louco! Quanto sangue exigiria de vós o Cristo, por todos os ultrajes que recebeu! Não só o feristes com os espinhos e a lança, não só o pregastes num madeiro infamante, como também o fizestes ouvir, em meio de sua agonia atroz, as zombarias que lhe prodigalizastes, Que reparação a tantos insultos vos pediu ele? O último brado do cordeiro foi unia súplica em favor dos seus algozes! Oh! como ele, perdoai e oral pelos que vos ofendem. Amigos, lembrai-vos deste preceito: "Amai-vos uns aos outros" e, então, a um golpe desferido pelo ódio respondereis com um Sorriso, e ao ultraje com o perdão. O mundo, sem dúvida, se levantará furioso e vos tratará de covardes; erguei bem alto a fronte e mostrai que também ela se não temeria de cingir-se de espinhos, a exemplo do Cristo, mas, que a vossa mão não quer ser cúmplice de um assassínio autorizado por falsos ares de honra, que, entretanto, não passa de orgulho e amor-próprio. Dar-se-á que, ao criar-vos, Deus vos outorgou o direito de vida e de morte, uns sobre os outros? Não, só à Natureza conferiu ele esse direito, para se reformar e reconstruir; quanto a vós, não permite, sequer, que disponhais de vós mesmos. Como o suicida, o duelista se achará marcado com sangue, quando comparecer perante Deus, e a um e outro o Soberano Juiz reserva rudes e longos castigos. Se ele ameaçou com a sua justiça aquele que disser raca a seu irmão, quão mais severa não será a pena que comine ao que chegar à sua presença com as mãos tintas do sangue de seu irmão! - Santo Agostinho. (Paris, 1862.)



13. O duelo, como o que outrora se denominava o juízo de Deus, é uma das instituições bárbaras que ainda regem a sociedade. Que diríeis, no entanto, se vísseis dois adversários mergulhados em água fervente ou submetidos ao contacto de um ferro em brasa, para ser dirimida a contenda entre eles, reconhecendo-se estar a razão com aquele que melhor sofresse a prova? Qualificaríeis de insensatos esses costumes, não é exato? Pois o duelo é coisa pior do que tudo isso. Para o duelista destro, é um assassínio praticado a sangue frio, com toda a premeditação que possa haver, uma vez que ele está certo da eficácia do golpe que desfechará. Para o adversário, quase certo de sucumbir em virtude de sua fraqueza e inabilidade, é um suicídio cometido com a mais fria reflexão, Sei que muitas vezes se procura evitar essa alternativa igualmente criminosa, confiando ao acaso a questão: - mas, não é isso voltar, sob outra forma, ao juízo de Deus, da Idade Média? E nessa época infinitamente menor era a culpa. A própria denominação de juízo de Deus indica a fé, ingênua, é verdade, porém, afinal, fé na justiça de Deus, que não podia consentir sucumbisse um inocente, ao passo que, no duelo, tudo se confia à força bruta, de tal sorte que não raro é o ofendido que sucumbe. Ó estúpido amor-próprio, tola vaidade e louco orgulho, quando sereis substituídos pela caridade cristã, pelo amor do próximo e pela humildade que o Cristo exemplificou e preceituou? Só quando isso se der desaparecerão esses preceitos monstruosos que ainda governam os homens, e que as leis são impotentes para reprimir, porque não basta interditar o mal e prescrever o bem; é preciso que o princípio do bem e o horror ao mal morem no coração do homem. - Um Espírito protetor. (Bordéus, 1861.)



14. Que juízo farão de mim, costumais dizer, se eu recusar a reparação que se me exige, ou se não a reclamar de quem me ofendeu? Os loucos, como vós, os homens atrasados vos censurarão; mas, os que se acham esclarecidos pelo facho do progresso intelectual e moral dirão que procedeis de acordo com a verdadeira sabedoria. Refleti um pouco. Por motivo de uma palavra dita às vezes impensadamente, ou inofensiva, vinda de um dos vossos irmãos, o vosso orgulho se sente ferido, respondeis de modo acre e daí uma provocação. Antes que chegue o momento decisivo, inquiris de vós mesmos se procedeis como cristãos? Que contas ficareis devendo à sociedade, por a privardes de um de seus membros? Pensastes no remorso que vos assaltará, por haverdes roubado a uma mulher o marido, a uma mãe o filho, ao filho o pai que lhes servia de amparo? Certamente, o autor da ofensa deve uma reparação; porém, não lhe será mais honroso dá-la espontaneamente, reconhecendo suas faltas, do que expor a vida daquele que tem o direito de se queixar? Quanto ao ofendido, convenho em que, algumas vezes, por ele achar-se gravemente ferido, ou em sua' pessoa, ou nas dos que lhe são mais caros, não está em jogo somente o amor-próprio: o coração se acha magoado, sofre.

Mas, além de ser estúpido arriscar a vida, lançando-se contra um miserável capaz de praticar infâmias, dar-se-á que, morto este, a afronta, qualquer que seja, deixa de existir? Não é exato que o sangue derramado imprime retumbância maior a um fato que, se falso, cairia por si mesmo, e que, se verdadeiro, deve ficar sepultado no silêncio? Nada mais restará, pois, senão a satisfação da sede de vingança. Ah! triste satisfação que quase sempre dá lugar, já nesta vida, a causticantes remorsos. Se é o ofendido que sucumbe, onde a reparação? Quando a caridade regular a conduta dos homens, eles conformarão seus atos e palavras a esta máxima: “Não façais aos outros o que não quiserdes que vos façam." Em se verificando isso, desaparecerão todas as causas de dissensões e, com elas, as dos duelos e das guerras, que são os duelos de povo a povo. - Francisco Xavier, (Bordéus, 1861.)

15. O homem do mundo, o homem venturoso, que por uma palavra chocante, uma coisa ligeira, joga a vida que lhe veio de Deus, joga a vida do seu semelhante, que só a Deus pertence, esse é cem vezes mais culpado do que o miserável que, impelido pela cupidez, algumas vezes pela necessidade, se introduz numa habitação para roubar e matar os que se lhe opõem aos desígnios. Trata-se quase sempre de uma criatura sem educação, com imperfeitas noções do bem e do mal, ao passo que o duelista pertence, em regra, à classe mais culta. Um mata brutalmente, enquanto que o outro o faz com método e polidez, pelo que a sociedade o desculpa. Acrescentarei mesmo que o duelista é infinitamente mais culpado do que o desgraçado que, cedendo a um sentimento de vingança, mata num momento de exasperação. O duelista não tem por escusa o arrebatamento da paixão, pois que, entre o insulto e a reparação, dispõe ele sempre de tempo para refletir. Age, portanto, friamente e com premeditado desígnio; estuda e calcula tudo, para com mais segurança matar o seu adversário. E certo que também expõe a vida e é isso o que reabilita o duelo aos olhos do mundo, que nele então só vê um ato de coragem e pouco caso da vida. Mas, haverá coragem da parte daquele que está seguro de si? O duelo, remanescente dos tempos de barbárie, em os quais o direito do mais forte constituía a lei, desaparecerá por efeito de uma melhor apreciação do verdadeiro ponto de honra e à medida que o homem for depositando fé mais viva na vida futura. -Agostinho. (Bordéus, 1861.)



O homem de bem

3. O verdadeiro homem de bem é o que cumpre a lei de justiça, de amor e de caridade, na sua maior pureza. Se ele interroga a consciência sobre seus próprios atos, a si mesmo perguntará se violou essa lei, se não praticou o mal, se fez todo o bem que podia, se desprezou voluntariamente alguma ocasião de ser útil, se ninguém tem qualquer queixa dele; enfim, se fez a outrem tudo o que desejara lhe fizessem. Deposita fé em Deus, na Sua bondade, na Sua justiça e na Sua sabedoria. Sabe que sem a Sua permissão nada acontece e se Lhe submete à vontade em todas as coisas. Tem fé no futuro, razão por que coloca os bens espirituais acima dos bens temporais. Sabe que todas as vicissitudes da vida, todas as dores, todas as decepções são provas ou expiações e as aceita sem murmurar. Possuído do sentimento de caridade e de amor ao próximo, faz o bem pelo bem, sem esperar paga alguma; retribui o mal com o bem, toma a defesa do fraco contra o forte, e sacrifica sempre seus interesses à justiça. Encontra satisfação nos benefícios que espalha, nos serviços que presta, no fazer ditosos os outros, nas lágrimas que enxuga, nas consolações que prodigaliza aos aflitos. Seu primeiro impulso é para pensar nos outros, antes de pensar em si, é para cuidar dos interesses dos outros antes do seu próprio interesse. O egoísta, ao contrário, calcula os proventos e as perdas decorrentes de toda ação generosa. O homem de bem é bom, humano e benevolente para com todos, sem distinção de raças, nem de crenças, porque em todos os homens vê irmãos seus. Respeita nos outros todas as convicções sinceras e não lança anátema aos que como ele não pensam. Em todas as circunstâncias, toma por guia a caridade, tendo como certo que aquele que prejudica a outrem com palavras malévolas, que fere com o seu orgulho e o seu desprezo a suscetibilidade de alguém, que não recua à idéia de causar um sofrimento, uma contrariedade, ainda que ligeira, quando a pode evitar, falta ao dever de amar o próximo e não merece a clemência do Senhor. Não alimenta ódio, nem rancor, nem desejo de vingança; a exemplo de Jesus, perdoa e esquece as ofensas e só dos benefícios se lembra, por saber que perdoado lhe será conforme houver perdoado. É indulgente para as fraquezas alheias, porque sabe que também necessita de indulgência e tem presente esta sentença do Cristo: "Atire-lhe a primeira pedra aquele que se achar sem pecado." Nunca se compraz em rebuscar os defeitos alheios, nem, ainda, em evidenciá-los. Se a isso se vê obrigado, procura sempre o bem que possa atenuar o mal. Estuda suas próprias imperfeições e trabalha incessantemente em combatê-las. Todos os esforços emprega para poder dizer, no dia seguinte, que alguma coisa traz em si de melhor do que na véspera. Não procura dar valor ao seu espírito, nem aos seus talentos, a expensas de outrem; aproveita, ao revés, todas as ocasiões para fazer ressaltar o que seja proveitoso aos outros. Não se envaidece da sua riqueza, nem de suas vantagens pessoais, por saber que tudo o que lhe foi dado pode ser-lhe tirado. Usa, mas não abusa dos bens que lhe são concedidos, porque sabe que é um depósito de que terá de prestar contas e que o mais prejudicial emprego que lhe pode dar é o de aplicá-lo à satisfação de suas paixões. Se a ordem social colocou sob o seu mando outros homens, trata-os com bondade e benevolência, porque são seus iguais perante Deus; usa da sua autoridade para lhes levantar o moral e não para os esmagar com o seu orgulho. Evita tudo quanto lhes possa tornar mais penosa a posição subalterna em que se encontram. O subordinado, de sua parte, compreende os deveres da posição que ocupa e se empenha em cumpri-los conscienciosamente. Finalmente, o homem de bem respeita todos os direitos que aos seus semelhantes dão as leis da Natureza, como quer que sejam respeitados os seus.

Não ficam assim enumeradas todas as qualidades que distinguem o homem de bem; mas, aquele que se esforce por possuir as que acabamos de mencionar, no caminho se acha que a todas as demais conduz.



9. O amor é de essência divina e todos vós, do primeiro ao último, tendes, no fundo do coração, a centelha desse fogo sagrado.. E fato, que já haveis podido comprovar muitas vezes, este: o homem, por mais abjeto, vil e criminoso que seja, vota a um ente ou a um objeto qualquer viva e ardente afeição, à prova de tudo quanto tendesse a diminuí-la e que alcança, não raro, sublimes proporções. A um ente ou um objeto qualquer, disse eu, porque há entre vós indivíduos que, com o coração a transbordar de amor, despendem tesouros desse sentimento com animais, plantas e, até, com coisas materiais: espécies de misantropos que, a se queixarem da Humanidade em geral e a resistirem ao pendor natural de suas almas, que buscam em torno de si a afeição e a simpatia, rebaixam a lei de amor à condição de instinto. Entretanto, por mais que façam, não logram sufocar o gérmen vivaz que Deus lhes depositou nos corações ao criá-los. Esse gérmen se desenvolve e cresce com a moralidade e a inteligência e, embora comprimido amiúde pelo egoísmo, torna-se a fonte das santas e doces virtudes que geram as afeições sinceras e duráveis e ajudam a criatura a transpor o caminho escarpado e árido da existência humana.

Há pessoas a quem repugna a reencarnação, com a idéia de que outros venham a partilhar das afetuosas simpatias de que são ciosas. Pobres irmãos! o vosso afeto vos torna egoístas; o vosso amor se restringe a um círculo íntimo de parentes e de amigos, sendo-vos indiferentes os demais. Pois bem! para praticardes a lei de amor, tal como Deus o entende, preciso se faz chegueis passo a passo a amar a todos os vossos irmãos indistintamente. A tarefa é longa e difícil, mas cumprir-se-á: Deus o quer e a lei de amor constitui o primeiro e o mais importante preceito da vossa nova doutrina, porque é ela que um dia matará o egoísmo, qualquer que seja a forma sob que se apresente, dado que, além do egoísmo pessoal, há também o egoísmo de família, de casta, de nacionalidade. Disse Jesus: "Amai o vosso próximo como a vós mesmos." Ora, qual o limite com relação ao próximo? Será a família, a seita, a nação? Não; é a Humanidade inteira. Nos mundos superiores, o amor recíproco é que harmoniza e dirige os Espíritos adiantados que os habitam, e o vosso planeta, destinado a realizar em breve sensível progresso, verá seus habitantes, em virtude da transformação social por que passará, a praticar essa lei sublime, reflexo da Divindade.. Os efeitos da lei de amor são o melhoramento moral da raça humana e a felicidade durante a vida terrestre. Os mais rebeldes e os mais viciosos se reformarão, quando observarem os benefícios resultantes da prática deste preceito: Não façais aos outros o que não quiserdes que vos façam: fazei-lhes, ao contrário, todo o bem que vos esteja ao alcance fazer-lhes. Não acrediteis na esterilidade e no endurecimento do coração humano; ao amor verdadeiro, ele, a seu mau grado, cede. E um ímã a que não lhe é possível resistir. O contacto desse amor vivifica e fecunda os germens que dele existem, em estado latente, nos vossos corações. A Terra, orbe de provação e de exílio, será então purificada por esse fogo sagrado e verá praticados na sua superfície.



Caridade para com os criminosos (Evangelho segundo o Espiritismo)

14. A verdadeira caridade constitui um dos mais sublimes ensinamentos que Deus deu ao mundo. Completa fraternidade deve existir entre os verdadeiros seguidores da sua doutrina. Deveis amar os desgraçados, os criminosos, como criaturas, que são, de Deus, às quais o perdão e a misericórdia serão concedidos, se se arrependerem, como também a vós, pelas faltas que cometeis contra sua Lei. Considerai que sois mais repreensíveis, mais culpados do que aqueles a quem negardes perdão e comiseração, pois, as mais das vezes, eles não conhecem Deus como o conheceis, e muito menos lhes será pedido do que a vós. Não julgueis, oh! não julgueis absolutamente, meus caros amigos, porquanto o juízo que proferirdes ainda mais severamente vos será aplicado e precisais de indulgência para os pecados em que sem cessar incorreis. Ignorais que há muitas ações que são crimes aos olhos do Deus de pureza e que o mundo nem sequer como faltas leves considera?

A verdadeira caridade não consiste apenas na esmola que dais, nem, mesmo, nas palavras de consolação que lhe aditeis. Não, não é apenas isso o que Deus exige de vós. A caridade sublime, que Jesus ensinou, também consiste na benevolência de que useis sempre e em todas as coisas para com o vosso próximo. Podeis ainda exercitar essa virtude sublime com relação a seres para os quais nenhuma utilidade terão as vossas esmolas, mas que algumas palavras de consolo, de encorajamento, de amor, conduzirão ao Senhor supremo.

Estão próximos os tempos, repito-o, em que nesse planeta reinará a grande fraternidade, em que os homens obedecerão à lei do Cristo, lei que será freio e esperança e conduzirá as almas às moradas ditosas. Amai-vos, pois, como filhos do mesmo Pai; não estabeleçais diferenças entre os outros infelizes, porquanto quer Deus que todos sejam iguais; a ninguém desprezeis. Permite Deus que entre vós se achem grandes criminosos, para que vos sirvam de ensinamentos. Em breve, quando os homens se encontrarem submetidos às verdadeiras leis de Deus, já não haverá necessidade desses ensinos: todos os Espíritos impuros e revoltados serão relegados para mundos inferiores, de acordo com as suas inclinações.

Deveis, àqueles de quem falo, o socorro das vossas preces: é a verdadeira caridade. Não vos cabe dizer de um criminoso: ~ um miserável; deve-se expurgar da sua presença a Terra; muito branda é, para um ser de tal espécie, a morte que lhe infligem." Não, não é assim que vos compete falar. Observai o vosso modelo: Jesus. Que diria ele, se visse junto de si um

desses desgraçados? Lamentá-lo-ia; considerá-lo-ia um doente bem digno de piedade; estender-lhe-ia a mão. Em realidade, não podeis fazer o mesmo; mas, pelo menos, podeis orar por ele, assistir-lhe o Espírito durante o tempo que ainda haja de passar na Terra. Pode ele ser tocado de arrependimento, se orardes com fé. E tanto vosso próximo, como o melhor dos homens; sua alma, transviada e revoltada, foi criada, como a vossa, para se aperfeiçoar; ajudai-o, pois, a sair do lameiro e orai por ele. Elisabeth de França. (Havre, 1862.)



Deve-se expor a vida por um malfeitor?

15. Acha-se em perigo de morte um homem; para o salvar tem um outro que expor a vida. Sabe-se, porém, que aquele é um malfeitor e que, se escapar, poderá cometer novos crimes. Deve, não obstante, o segundo arriscar-se para o salvar?

Questão muito grave é esta e que naturalmente se pode apresentar ao espírito. Responderei, na conformidade do meu adiantamento moral, pois o de que se trata é de saber se se deve expor a vida, mesmo por um malfeitor. O devotamento é cego; socorre-se um inimigo; deve-se, portanto, socorrer o inimigo da sociedade, a um malfeitor, em suma. Julgais que será somente à morte que, em tal caso, se corre a arrancar o desgraçado? E, talvez, a toda a sua vida passada. Imaginai, com efeito, que, nos rápidos instantes que lhe arrebatam os derradeiros alentos de vida, o homem perdido volve ao seu passado, ou que, antes, este se ergue diante dele. A morte, quiçá, lhe chega cedo demais; a reencarnação poderá vir a ser-lhe terrível. Lançai-vos, então, ó homens; lançai-vos todos vós a quem a ciência espírita esclareceu; lançai-vos, arrancai-o à sua condenação e, talvez, esse homem, que teria morrido a blasfemar, se atirará nos vossos braços. Todavia, não tendes que indagar se o fará, ou não; socorrei-o, porquanto, salvando-o, obedeceis a essa voz do coração, que vos diz: "Podes salvá-lo, salva-o!" - Lamennais. (Paris, 1862.)



A GÊNESE - SINAIS DOS TEMPOS



15. - Quem quer que haja meditado sobre o Espiritismo e suas conseqüências e não o circunscreva à produção de alguns fenômenos terá compreendido que ele abre à Humanidade uma estrada nova e lhe desvenda os horizontes do infinito. Iniciando-a nos mistérios do mundo invisível, mostra-lhe o seu verdadeiro papel na criação, papel perpetuamente ativo, tanto no estado espiritual, como no estado corporal. O homem já não caminha às cegas: sabe donde vem, para onde vai e por que está na Terra.. O futuro se lhe revela em sua realidade, despojado dos prejuízos da ignorância e da superstição. Já na se trata de uma vaga esperança, mas de uma verdade palpável, tão certa como a sucessão do dia e da noite. Ele sabe que o seu ser não se acha limitado a alguns instantes de uma existência transitória; que a vida espiritual não se interrompe por efeito da morte; que já viveu e tornará a viver e que nada se perde do que haja ganho em perfeição; em suas existências anteriores depara com a razão do que é hoje e reconhece que: do que ele é hoje, qual se fez a si mesmo, poderá deduzir o que virá a ser um dia.



16. - Com a idéia de que a atividade e a cooperação individuais na obra geral da civilização se limitam à vida presente, que, antes, a criatura nada foi e nada será depois, em que interessa ao homem o progresso ulterior da Humanidade? Que lhe importa que no futuro os povos sejam mais bem governados, mais ditosos, mais esclarecidos, melhores uns para com os outros? Não fica perdido para ele todo o progresso, pois que deste nenhum proveito tirará? De que lhe serve trabalhar para os que hão de vir depois, se nunca lhe será dado conhecê-los, se os seus pósteros serão criaturas novas, que pouco depois voltarão por sua vez ao nada? Sob o domínio da negação do futuro individual, tudo forçosamente se amesquinha às insignificantes proporções do momento e da personalidade. Entretanto, que amplitude, ao contrário, dá ao pensamento do homem a certeza da perpetuidade do seu ser espiritual! Que de mais racional, de mais grandioso, de mais digno do Criador do que a lei segundo a qual a vida espiritual e a vida corpórea são apenas dois modos de existência, que se alternam para a realização do progresso! Que de mais justo há e de mais consolador do que a idéia de estarem os mesmos seres a progredir incessantemente, primeiro, através das gerações de um mesmo mundo, de mundo em mundo depois, até à perfeição, sem solução de continuidade! Todas as ações têm, então, uma finalidade, porquanto, trabalhando para todos, cada um trabalha para si e reciprocamente, de sorte que nunca se podem considerar infecundos nem o progresso individual, nem o progresso coletivo. De ambos esses progressos aproveitarão as gerações e as individualidades porvindouras, que outras não virão a ser senão as gerações e as individualidades passadas, em mais alto grau de adiantamento.

17. - A fraternidade será a pedra angular da nova ordem social; mas, não há fraternidade real, sólida, efetiva, senão assente em base inabalável e essa base é a fé, não a fé em tais ou tais dogmas particulares, que mudam com os tempos e os povos e que mutuamente se apedrejam, porquanto, anatematizando-se uns aos outros, alimentam o antagonismo, mas a fé nos princípios fundamentais que toda a gente pode aceitar e aceitará: Deus, a alma, o futuro, o progresso individual indefinido, a perpetuidade das relações entre os seres. Quando todos os homens

estiverem convencidos de que Deus é o mesmo para todos; de que esse Deus, soberanamente justo e bom, nada de injusto pode querer; que não dele, porém dos homens vem o mal, todos se considerarão filhos do mesmo Pai e se estenderão as mãos uns aos outros. Essa a fé que o Espiritismo faculta e que doravante será o eixo em torno do qual girará o gênero humano, quaisquer que sejam os cultos e as crenças particulares.

18. - O progresso intelectual realizado até ao presente, nas mais largas proporções, constitui um grande passo e marca uma primeira fase no avanço geral da Humanidade; impotente, porém, ele é para regenerá-la. Enquanto o orgulho e o egoísmo o dominarem, o homem se servirá da sua inteligência e dos seus conhecimentos para satisfazer às suas paixões e aos seus interesses pessoais, razão por que os aplica em aperfeiçoar os meios de prejudicar os seus semelhantes e de os destruir.

19. - Somente o progresso moral pode assegurar aos homens a felicidade na Terra, refreando as paixões más; somente esse progresso pode fazer que entre os homens reinem a concórdia, a paz, a fraternidade. Será ele que deitará por terra as barreiras que separam os povos, que fará caiam os preconceitos de casta e se calem os antagonismos de seitas, ensinando os homens a se considerarem irmãos que têm por dever auxiliarem-se mutuamente e não destinados a viver à custa uns dos outros. Será ainda o progresso moral que, secundado então pelo da inteligência, confundirá os homens numa mesma crença fundada nas verdades eternas, não sujeitas a controvérsias e, em conseqüência, aceitáveis por todos. A unidade de crença será o laço mais forte, o fundamento mais sólido da fraternidade universal, obstada, desde todos os tempos pelos antagonismos religiosos que dividem os povos e as famílias, que fazem sejam uns, os dissidentes, vistos, pelos outros, como inimigos a serem evitados, combatidos, exterminados, em vez de irmãos a serem amados.

20. - Semelhante estado de coisas pressupõe uma mudança radical no sentimento das massas, um progresso geral que não se podia realizar senão fora do círculo das idéias acanhadas e corriqueiras que fomentam o egoísmo. Em diversas épocas, homens de escol procuraram impelir a Humanidade por esse caminho; mas, ainda muito jovem, ela se conservou surda e os ensinamentos que eles ministraram foram como a boa semente caída no pedregulho. Hoje, a Humanidade está madura para lançar o olhar a alturas que nunca tentou divisar, a fim de nutrir-se de idéias mais amplas e compreender o que antes não compreendia. A geração que desaparece levará consigo seus erros e prejuízos; a geração que surge, retemperada em fonte mais pura, imbuída de idéias mais sãs, imprimirá ao mundo ascensional movimento, no sentido do progresso moral que assinalará a nova fase da evolução humana.

21. - Essa fase já se revela por sinais inequívocos, por tentativas de reformas úteis e que começam a encontrar eco. Assim é que vemos fundar-se uma imensidade de instituições protetoras, civilizadoras e emancipadoras, sob o influxo e por iniciativa de homens evidentemente predestinados à obra da regeneração; que as leis penais se vão apresentando dia a dia impregnadas de sentimentos mais humanos. Enfraquecem-se os preconceitos de raça, os povos entram a considerar-se membros de uma grande família; pela uniformidade e facilidade dos meios de realizarem suas transações, eles suprimem as barreiras que os separavam e de todos os pontos do mundo reúnem-se em comícios universais, para as justas pacificas da inteligência. Falta, porém, a essas reformas uma base que permita se desenvolvam, completem e consolidem; falta uma predisposição moral mais generalizada, para fazer que elas frutifiquem e que as massas as acolham. Ainda aí há um sinal característico da época, porque há o prelúdio do que se efetuará em mais larga escala, à proporção que o terreno se for tornando mais favorável.

22. - Outro sinal não menos característico do período em que entramos encontra-se na reação que se opera no sentido das idéias espiritualistas; na repulsão instintiva que se manifesta contra as idéias materialistas. O espírito de incredulidade, que se apoderara das massas, ignorantes ou esclarecidas, e as levava a rejeitar com a forma a substância mesma de toda crença, parece ter sido um sono, a cujo despertar se sente a necessidade de respirar um ar mais vivificante. Involuntariamente, lá onde o vácuo se fizera, procura-se alguma coisa, um ponto de apoio.

23. - Se supusermos possuída desses sentimentos a maioria dos homens, poderemos facilmente imaginar as modificações que dai decorrerão para as relações sociais; todos terão por divisa: caridade, fraternidade, benevolência para com todos, tolerância para todas as crenças. É a meta para que tende evidentemente a Humanidade; esse o objeto de suas aspirações, de seus desejos, sem que, entretanto, ela perceba claramente por que meio as há de realizar. Ensaia, tateia, mas é detida por muitas resistências ativas, ou pela força de inércia dos preconceitos, das crenças estacionárias e refratárias ao progresso. Faz-se-lhe mister vencer tais resistências e essa será a obra da nova geração. Quem acompanhar o curso atual das coisas reconhecerá que tudo parece predestinado a lhe abrir caminho. Ela terá por si a dupla força do número e das idéias e, de acréscimo, a experiência do passado.

24. - A nova geração marchará, pois, para a realização de todas as idéias humanitárias compatíveis com o grau de adiantamento a que houver chegado. Avançando para o mesmo alvo e realizando seus objetivos, o Espiritismo se encontrará com ela no mesmo terreno. Aos homens progressistas se deparará nas idéias espíritas poderosa alavanca e o Espiritismo achará, nos novos homens, espíritos inteiramente dispostos a acolhê-lo. Dado esse estado de coisas, que poderão fazer os que entendam de opor-se-lhe?

25. - O Espiritismo não cria a renovação social; a madureza da Humanidade é que fará dessa renovação uma necessidade.. Pelo seu poder moralizador, por suas tendências progressistas, pela amplitude de suas vistas, pela generalidade das questões que abrange, o Espiritismo é mais apto, do que qualquer outra doutrina, a secundar o movimento de regeneração; por isso, é ele contemporâneo desse movimento. Surgiu na hora em que podia ser de utilidade, visto que também para ele os tempos são chegados. Se viera mais cedo, teria esbarrado em obstáculos insuperáveis; houvera inevitavelmente sucumbido, porque, satisfeitos com o que tinham, os homens ainda não sentiriam. falta do que ele lhes traz. Hoje, nascido com as idéias que fermentam, encontra preparado o terreno para recebê-lo. Os espíritos cansados da dúvida e da incerteza, horrorizados com o abismo que se lhes abre à frente, o acolhem como âncora de salvação e consolação suprema.

26. - Grande, por certo, é ainda o número dos retardatários; mas, que podem eles contra a onda que se alteia, senão atirar-lhe algumas pedras? Essa onda é a geração que surge, ao passo que eles se somem com a geração que vai desaparecendo todos os dias a passos largos.. Até lá, porém, eles defenderão palmo a palmo o terreno. Haverá, portanto, uma luta inevitável, mas luta desigual, porque é a do passado decrépito, a cair em frangalhos, contra o futuro juvenil. Será a luta da estagnação contra o progresso, da criatura contra a vontade do Criador, uma vez que chegados são os tempos por ele determinados.

A geração nova - CAPÍTULO XVIII



27. - Para que na Terra sejam felizes os homens, preciso é que somente a povoem Espíritos bons, encarnados e desencarnados, que somente ao bem se dediquem. Havendo chegado o tempo, grande emigração se verifica dos que a habitam: a dos que praticam o mal pelo mal, ainda não tocados pelo sentimento do bem, os quais, já não sendo dignos do planeta transformado, serão excluídos, porque, senão, lhe ocasionariam de novo perturbação e confusão e constituiriam obstáculo ao progresso. Irão expiar o endurecimento de seus corações, uns em mundos inferiores, outros em raças terrestres ainda atrasadas, equivalentes a mundos daquela ordem, aos quais levarão os conhecimentos que hajam adquirido, tendo por missão fazê-las avançar. Substituí-los-ão Espíritos melhores, que farão reinem em seu seio a justiça, a paz e a fraternidade. A Terra, no dizer dos Espíritos, não terá de transformar-se por meio de um cataclismo que aniquile de súbito uma geração. A atual desaparecerá gradualmente e a nova lhe sucederá do mesmo modo, sem que haja mudança alguma na ordem natural das coisas. Tudo, pois, se processará exteriormente, como sói acontecer, com a única, mas capital diferença de que uma parte dos Espíritos que encarnavam na Terra aí não mais tornarão a encarnar. Em cada criança que nascer, em vez de um Espírito atrasado e inclinado ao mal, que antes nela encarnaria, virá um Espírito mais adiantado e propenso ao bem. Muito menos, pois, se trata de uma nova geração corpórea, do que de uma nova geração de Espíritos. Sem dúvida, neste sentido é que Jesus entendia as coisas, quando declarava: «Digo-vos, em verdade, que esta geração não passará sem que estes fatos tenham ocorrido.» Assim decepcionados ficarão os que contem ver a transformação operar-se por efeitos sobrenaturais e maravilhosos.

28. - A época atual é de transição; confundem-se os elementos das duas gerações. Colocados no ponto intermédio, assistimos à partida de uma e à chegada da outra, já se assinalando cada uma, no mundo, pelos caracteres que lhes são peculiares. Têm idéias e pontos de vista opostos as duas gerações que se sucedem. Pela natureza das disposições morais, porém sobretudo das disposições intuitivas e inatas, torna-se fácil distinguir a qual das duas pertence cada indivíduo. Cabendo-lhe fundar a era do progresso moral, a nova geração se

distingue por inteligência e razão geralmente precoces, juntas ao sentimento inato do bem e a crenças espiritualistas, o que constitui sinal indubitável de certo grau de adiantamento anterior. Não se comporá exclusivamente de Espíritos eminentemente superiores, mas dos que, já tendo progredido, se acham predispostos a assimilar todas as idéias progressistas e aptos a secundar o movimento de regeneração.

O que, ao contrário, distingue os Espíritos atrasados é, em primeiro lugar, a revolta contra Deus, pelo se negarem a reconhecer qualquer poder superior aos poderes humanos; a propensão instintiva para as paixões degradantes, para os sentimentos antifraternos de egoísmo, de orgulho, de inveja, de ciúme; enfim, o apego a tildo o que é material: a sensualidade, a cupidez, a avareza. Desses vícios é que a Terra tem de ser expurgada pelo afastamento dos que se obstinam em não emendar-se; porque são incompatíveis com o reinado da fraternidade e porque o contacto com eles constituirá sempre um sofrimento para os homens de bem. Quando a Terra se achar livre deles, os homens caminharão sem óbices para o futuro melhor que lhes está reservado, mesmo neste mundo, por prêmio de seus esforços e de sua perseverança, enquanto esperem que uma depuração mais completa lhes abra o acesso aos mundos superiores.

29. - Não se deve entender que por meio dessa emigração de Espíritos sejam expulsos da Terra e relegados para mundos inferiores todos os Espíritos retardatários. Muitos, ao contrário, aí voltarão, porquanto muitos há que o são porque cederam ao arrastamento das circunstâncias e do exemplo. Nesses, a casca é pior do que o cerne. Uma vez subtraídos à influência da matéria e dos prejuízos do mundo corporal, eles, em sua maioria, verão as coisas de maneira inteiramente diversa daquela por que as viam quando em vida, conforme os múltiplos casos que conhecemos. Para isso, têm a auxiliá-los Espíritos benévolos que por eles se interessam e se dão pressa em esclarecê-los e em lhes mostrar quão falso era o caminho que seguiam. Nós mesmos, pelas nossas preces e exortações, podemos concorrer para que eles se melhorem, visto que entre mortos e vivos há perpétua solidariedade. É muito simples o modo por que se opera a transformação, sendo, como se vê, todo ele de ordem moral, sem se afastar em nada das leis da Natureza.

30. - Sejam os que componham a nova geração Espíritos melhores, ou Espíritos antigos que se melhoraram, o resultado é o mesmo. Desde que trazem disposições melhores, há sempre uma renovação. Assim, segundo suas disposições naturais, os Espíritos encarnados formam duas categorias: de um lado, os retardatários, que partem; de outro, os progressistas, que chegam. O estado dos costumes e da sociedade estará, portanto, no seio de um povo, de uma raça, ou do mundo inteiro, em relação com aquela das duas categorias que preponderar.

31. - Uma comparação vulgar ainda melhor dará a compreender o que se passa nessa circunstância. Figuremos um regimento composto na sua maioria de homens turbulentos e indisciplinados, os quais ocasionarão nele constantes desordens que a lei penal terá por vezes dificuldades em reprimir. Esses homens são os mais fortes, porque mais numerosos do que os outros. Eles se amparam, animam e estimulam pelo exemplo. Os poucos bons nenhuma influência exercem; seus conselhos são desprezados; sofrem com a companhia dos outros, que os achincalham e maltratam. Não é essa uma imagem da sociedade atual? Suponhamos que esses homens são retirados um a um, dez a dez, cem a cem, do regimento e substituídos gradativamente por iguais números de bons soldados, mesmo por alguns dos que, já tendo sido expulsos, se corrigiram.. Ao cabo de algum tempo, existirá o mesmo regimento, mas transformado. A boa ordem terá sucedido à desordem.

32. - As grandes partidas coletivas, entretanto, não têm por único fim ativar as saídas; têm igualmente o de transformar mais rapidamente o espírito da massa, livrando-a das más influências e o de dar maior ascendente às idéias novas. Por estarem muitos, apesar de suas imperfeições, maduros para a transformação, é que muitos partem, a fim de apenas se retemperarem em fonte mais pura. Enquanto se conservassem no mesmo meio e sob as mesmas influências, persistiriam nas suas opiniões e nas suas maneiras de apreciar as coisas. Uma estada no mundo dos Espíritos bastará para lhes descerrar os olhos, por isso que aí vêem o que não podiam ver na Terra. O incrédulo, o fanático, o absolutista, poderão, conseguintemente, voltar com idéias inatas de fé, tolerância e liberdade. Ao regressarem, acharão mudadas as coisas e experimentarão a influência do novo meio em que houverem nascido. Longe de se oporem às novas idéias, constituir-se-ão seus auxiliares.

33. - A regeneração da Humanidade, portanto, não exige absolutamente a renovação integral dos Espíritos: basta uma modificação em suas disposições morais. Essa modificação se opera em todos quantos lhe estão predispostos, desde que sejam subtraídos à influência perniciosa do mundo. Assim, nem sempre os que voltam são outros Espíritos; são com freqüência os mesmos Espíritos, mas pensando e sentindo de outra maneira. Quando insulado e individual, esse melhoramento passa despercebido e nenhuma influência ostensiva alcança sobre o mundo. Muito outro é o efeito, quando a melhora se produz simultaneamente sobre grandes massas, porque, então, conforme as proporções que assuma, numa geração, pode modificar profundamente as idéias de um povo ou de uma raça. É o que quase sempre se nota depois dos grandes choques que dizimam as populações. Os flagelos destruidores apenas destroem corpos, não atingem o Espírito; ativam o movimento de vaivém entre o mundo corporal e o mundo espiritual e, por conseguinte, o movimento progressivo dos Espíritos encarnados e desencarnados. É de notar-se que em todas as épocas da História, às grandes crises sociais se seguiu uma era de progresso.

34. - Opera-se presentemente um desses movimentos gerais, destinados a realizar uma remodelação da Humanidade. A multiplicidade das causas de destruição constitui sinal característico dos tempos, visto que elas apressarão a eclosão dos novos germens. São as folhas que caem no outono e às quais sucedem outras folhas cheias de vida, porquanto a Humanidade tem suas estações, como os indivíduos têm suas várias idades. As folhas mortas da Humanidade caem batidas pelas rajadas e pelos golpes de vento, porém, para renascerem mais vivazes sob o mesmo sopro de vida, que não se extingue, mas se purifica.





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