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Espiritismo Literatura e Leitura 22/12/2004 (00058)
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O atalho
Autor: Mauro Quintella


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Armando de Oliveira Assis assumiu a presidência da FEB promovendo mudanças. Em outubro de 1970, durante a primeira reunião do Conselho Federativo Nacional na seccional de Brasília, Assis lançou o projeto das Zonais, com a finalidade de dinamizar as atividades do órgão, tornando-o mais representativo. O plano, definitivamente instalado em abril do ano seguinte, consistia em: a) dividir o país em 4 zonas; b) criar conselhos federativos em cada zona; c) promover reuniões dos conselhos zonais; d) realizar reuniões extraordinárias do CFN em Brasília para unificar as resoluções regionais (1).

Em novembro é lançado o lema da novel administração: "Modernizar sem banalizar"(2). No entanto, essa modernização era apenas operacional. Ideologicamente não havia a mínima intenção de inovar. Pelo contrário: uma das metas da nova diretoria era defender desassombradamente as tradições da casa.

Isto ficou claro quando a FEB numa reunião ordinária do CFN, realizada no dia 06 de fevereiro de 1971, apresentou em documento, intitulado "Resolução no. 01/71", abrindo fogo contra os confrades que queriam aprofundar o estudo dos problemas políticos, sociais e morais da atualidade.

Indalicio Mendes, membro da Federação e representante da Paraíba no Conselho, preparou uma extensa justificativa para o seu voto, que, dentre outras bobagens, dizia o seguinte: "Dentro das casa espíritas, somente nos cabe tratar de assuntos pertinentes ao Espiritismo (...). É desaconselhável debater problemas político-sociais e outros, como os relativos à sexualidade..."(3).

Na verdade, toda essa falação era contra o chamado MEU – Movimento Universitário Espírita. O Movimento Universitário Espírita foi fundado em 1961, em São Paulo, e teve três fases distintas. Foi Paranhos quem ampliou o raio de ação do MEU, transformando a revista A FAGULHA no órgão oficial do grupo e incentivando a criação de seccionais em Salvador e Rio de Janeiro.

O MEU pretendia aprofundar o estudo do aspecto político e social da doutrina, discutir os problemas comportamentais sem moralismo, implantar a mentalidade universitária entre os espiritistas, e fazer uma análise crítica do movimento espírita brasileiro. A reação foi negativa. Febianos e antifebianos se uniram para combater o grupo universitário, tendo a USE desligado o MEU de seu quadro social (4).

Até Herculano Pires que, no início, apoiava os rapazes do Movimento, passou a criticá-los na imprensa, acusando-os de misturar o Espiritismo com o Marxismo (5). Todavia, em que pese o respeito que temos pela opinião do grande espírita paulista, temos que convir que, pelo menos em suas publicações oficiais, o MEU manteve-se numa linha equilibrada, do ponto de vista doutrinário.
O Movimento Espírita Universitário acabou em 1973 (6).

Depois do ataque aos "subversivos" jovens, a FEB voltou-se contra uma velha implicância sua: os cursos de Espiritismo (7). Criticando-os, Luciano dos Anjos escreveu o artigo "Cursilhos de Espiritismo" (8).

Luciano era assessor da presidência e uma espécie de super-ego da diretoria, no que diz respeito à defesa da ideologia da casa. Sua influência sobre o presidente era tão grande, que Armando não tomava nenhuma decisão antes de ouvi-lo. Em 1973, este confrade publicou no Reformador sua famosa série "O Atalho – Análise Critica do Movimento Espírita", apontando os erros que, segundo ele, vinham sendo cometidos pelos espíritas brasileiros (9).

Analisar "O Atalho" é uma tarefa que exige muito cuidado, a fim de separarmos, com critério o joio do trigo. Dos Anjos era (e continua sendo) um febiano roxo. Muito embora a maioria de suas criticas estivessem corretas, boa parte delas não tinha o menor fundamento. Era apenas a velha cantilena da Federação Espírita Brasileira em roupagem mais moderna. Feita essa ressalva, o saldo da série pode ser considerado positivo. Principalmente porque foi uma das poucas vezes em que a FEB se posicionou de maneira tão clara e direta.

A título de recordação, vamos enumerar os problemas que, segundo Luciano dos Anjos, vinham vitimando o movimento. Os itens que não forem comentados têm a nossa concordância:

1) Edição de livros repetidos e de baixa qualidade doutrinária.

2) Prática de rituais, adoção de símbolos etc.

3) Mania de congressos – Luciano afirma que os congressos espíritas não têm autoridade, pois a Doutrina Espírita não reconhece decisões de cúpula. Além disso, acusa os intelectuais espíritas de aproveitarem esses encontros para extravasarem suas pretensões e frustrações. A crítica é absurda. Os congressos espíritas realizados no Brasil nunca tiveram a intenção de legislar sobre Espiritismo, apenas procuram estudar alguns aspectos da Doutrina e cuidar da organização do movimento. Quanto ao comportamento dos congressistas, a FEB sempre viu pedantismo onde só existia cultura doutrinária.

4) Divisões classistas e profissionais – O confrade carioca condena as associações de espíritas com a mesma formação profissional (médicos espíritas, jornalistas espíritas, psicólogos espíritas, etc.), sob a acusação de que isso iria quebrar a unidade do movimento. Embora respeitável, seu temor era infundado. A correção do Espiritismo como os vários ramos do conhecimento humano é fator imprescindível para o progresso do mundo. Quem pode executar essa tarefa, senão os próprios especialistas? A única exigência é que essas associações sejam integradas no movimento, a fim de evitar o seu fracionamento.

5) Centros com estrutura burocrática altamente sofisticada, tornada mais importante do que a própria Doutrina.

6) Assistência social com prioridade sobre o estudo do Espiritismo.

7) Submissão dos centros espíritas ao poder econômico de patronos abastados.

8) Aceitação de revelações mediúnicas fantasiosas.

9) Mistura entre Espiritismo e política – aqui a confusão é total. Não sabemos se por alienação ou má fé. O preclaro jornalista faz confusão entre o sentido prático e o sentido subjetivo de política. Evidentemente ninguém concorda com a propaganda partidária dentro do movimento, no entanto, todos os espíritas têm a obrigação de contribuir para a evolução administrativa e econômica da sociedade, interessando-se por esses assuntos e participando dos movimentos sociais. Não existem posições apolíticas, mas sim suprapartidárias. Aquele que se recusa a participar, está apenas colaborando na manutenção do status quo. Vejamos o festival de contradições da referida critica: "Espiritismo e política são incompatíveis. É inútil tentar um paralelo entre ambos. Ou a criatura faz política ou faz Espiritismo, o que não invalida, é lógico, a hipótese de o político ser espírita. E é até bom que o seja" (?). Luciano era tão "apolítico" que colaborava com a Escola Superior de Guerra em pleno regime militar (10).

10) Entendimento autoritário do processo de unificação.

11) Programações doutrinárias ruidosas, com bandas de música, faixas, gambiarras, palanques, excursões e foguetório.

12) Escolarização do ensino espírita – Luciano dos Anjos condena a formalização do estudo da Doutrina Espírita, pretendida por um grupo de confrades, com a utilização do atual modelo escolar (alunos, professores, pré-requisitos, presença obrigatória, provas e diplomas). Herculano Pires ia mais longe e defendia a criação de Escolas de Espiritismo, com corpo docente, cobrança de taxas, etc. (11). No lugar disso, o articulista febiano propôs o fim de todo tipo de curso doutrinário, fazendo a apologia do autodidatismo. Era um exagero no lugar de outro. De fato, o pragmatismo do sistema educacional vigente não se coaduna com o real objetivo do Espiritismo, que é a educação integral do ser. Contudo, está provado que a tese da "desencolarização" total do ensino, proposta por Ivan Lich e Carl Rogers, que Luciano quis implantar no movimento, também não atende às necessidades atuais do homem. Acreditamos que, nesse caso, deve prevalecer o bom senso. Os cursos espíritas devem evitar, ao máximo, todo tipo de formalismo e exigência, procurando liberalizar o ensino da Doutrina.

13) Integração deficiente do jovem no movimento – Partindo da premissa de que os centros espíritas alienam seus jovens, isolando-os em "mocidades" e "juventudes", o ideólogo da FEB preconiza o fim desses departamentos, a fim de que os moços se integrem imediatamente nas atividades da instituição, assumindo tarefas e dividindo responsabilidades. A intenção era ótima, mas os resultados seriam péssimos. As "mocidades" e "juventudes" são espaços fundamentais para que os jovens enfrentem, em conjunto, os problemas específicos de sua faixa etária, à luz da Doutrina Espírita. Acabar com eles, é afastar os moços de nosso movimento. Além do mais, a integração pode ser conseguida sem que esses departamentos precisem ser extintos.

14) Idolatria a médiuns e guias.

15) Centros espíritas luxuosos, semelhantes a igrejas.

16) Excessiva reverência a autoridades políticas.

17) Figuras carismáticas no movimento.

18) Ecumenismo.

19) Hinos e musicais espíritas – Com exceção dos hinos dedicados aos guias espirituais (Hino a Scheilla, Hino a André Luiz, etc.), que realmente cheiram a sacristia, não temos nada contra as músicas de cunho doutrinário e evangélico, compostas e cantadas dentro de nossos centros. Consideramo-las uma manifestação artística válida e natural. Luciano dos Anjos, ao contrário, queria varrê-las do mapa, sob a acusação de que elas se pareciam com as velhas ladainhas católicas. A solução é procurar uma estética espírita, evitando também todo tipo de formalismo.

20) Medo de debater assuntos doutrinários controvertidos.

21) Propaganda doutrinária massificada, mal feita e proselitista.

22) Tentativa de subordinar a FEB a organismos espíritas internacionais – No entendimento do controvertido companheiro. "o Brasil não tem por que seguir a reboque de qualquer entidade exterior. Não fomos nós, os brasileiros, que fizemos desta terra o "coração do mundo", a "pátria de Evangelho". Logo, estamos todos muito à vontade para dizer aos confrades e amigos do mundo que, se desejarem, nós os recebermos de braços abertos, mas em posições naturalmente invertidas, isto é, o mundo girando a volta do Brasil...". Tamanha pretensão, tamanho salvacionismo, tamanha megalomania não merece muitos comentários. A FEB pode perfeitamente se filiar a entidades internacionais, desde que sua autonomia seja respeitada. Afinal, não é isso que acontece com as federações estaduais que não aceitam a obra de J. B. Roustaing?

23) Mistura do Espiritismo com o Marxismo e o Fascismo – É lógico que não podemos misturar o Espiritismo com qualquer doutrina, seja ela política, filosófica ou religiosa, sob pena de perdermos nossa identidade ideológica. Todavia, podemos estudar essas idéias, aproveitando o que elas têm de bom e verdadeiro. O Marxismo, por exemplo, é uma escola filosófica altamente respeitável, na qual podemos colher importantes subsídios sobre a evolução histórica, política e econômica da humanidade, excluindo-se, evidentemente, tudo aquilo que contrariar os postulados fundamentais do Espiritismo. O mesmo não podemos dizer do fascismo, a desprezível doutrina política do ditador italiano Benito Mussolini, que só serviu a seus interesses pessoais. Colocar o Marxismo em pé de igualdade com o Fascismo é um erro imperdoável, do ponto de vista filosófico. O articulista febiano foi traído pelo seu insofreável anti-comunismo (12).

24) Subordinação do Espiritismo à Parapsicologia.

25) Tentativa de democratizar o sistema federativo – Dizem que Luciano dos Anjos é a reencarnação de Camile Desmoulins, importante figura da Revolução Francesa (13). No entanto, parece que ele andou se esquecendo dos ideais que o levaram a lutar contra o Absolutismo: "Ora, ninguém talvez seja mais democrata do que eu (...). Entretanto, o regime democrático, tal como o conhecemos politicamente, não se ajusta ao movimento espírita. Deus não nos consulta quando tem de nos enviar os messias. (...). Imaginemos os presidentes das federadas sujeitos aos oscilantes pontos de vista dos presidentes de centros espíritas. (...). A mesma situação diz respeito com a Federação Espírita Brasileira. A FEB é reconhecidamente uma instituição extraterrena, não sendo mais do que uma projeção da sua verdadeira sede, que está no Alto. (...) Ora, se a sua diretoria dependesse do voto de instituições externas (...), ela estaria (...) sujeita a confrades que, por sua vez, já haviam sido escolhidos equivocadamente. Teríamos, então, uma inversão muito estranha: A FEB, em vez de orientar o movimento espírita, estaria sendo orientada por ele. (...). (...) sua diretoria jamais (...) será eleita por outro órgão que não o seu Conselho Superior, cujos membros comungam integralmente do programa de Ismael, sem nenhuma divergência". O confrade está completamente equivocado. Como já tivemos oportunidade de demonstrar, em nosso artigo "Federações e Democracia" (14), apenas a democratização do sistema federativo pode unificar, de fato, o movimento. O resto é conversa.

26) Espírita viciados em passes (papa-passes).

27) Fanatismo pelo guias espirituais.

28) Festanças e promoções, com finalidade proselitista ou beneficente.

Como se vê. "O Atalho" foi um caldeirão de erros e acertos. Por causa disso, a série conseguiu desagradar a todos.

Notas:
(1) (2) Reformador, novembro de 1970
(3) Reformador, abril de 1971.
(4) Unificação, julho de 1971.
(5) Revista Internacional de Espiritismo, setembro de 1971 e Unificação, novembro de 1971.
(6) Quem quiser conhecer mais detalhes sobre o Movimento Espírita Universitário deve ler o artigo "MEU: Preservando a Memória" de Eduardo Simões, publicado neste jornal.
(7) Não podemos esquecer que a queda de Leopoldo Cirne deveu-se à sua intenção de implantar na FEB um curso sobre mediunidade. Ver a série "Breve História da Unificação – Parte III", Jornal Espírita, junho de 1988.
(8) Reformador, outubro de 1972.
(9) O trabalho foi publicado em cinco partes, nos meses de janeiro, março, maio, novembro e dezembro de 1973.
(10) Luciano escreveu os seguintes trabalhos para a ESG: "O Poder Nacional", "Desenvolvimento e Segurança Nacional", "Planejamento da Segurança Nacional", "Conceito de Mobilização Nacional" e "Objetivos Nacional Permanentes". Essa informação está contida no artigo "Pactos, Sínteses e Utopias", publicado no Reformador de outubro de 1974, p. 27, onde ele também confessa: "Confio em nossos dirigentes. Confio nos governos. Um presidente só chega a ser presidente se assim é do programa do Alto. Ninguém é chefe de estado por acaso. (...). Assim, no meu entender, todo governo deve ser respeitado, acatado, compreendido". Alguém quer atitude mais política do que esta? Sobre esse assunto, recomendamos a leitura do excelente opúsculo ESPIRITISMO E POLÍTICA de Aylton Paiva, editado pela DICESP.
(11) Tese aprovada pelo IV Congresso Brasileiro de Jornalistas e Escritores Espíritas, realizado em Curitiba em 1968, e publicada na REVISTA DE EDUCAÇÃO ESPÍRITA, número 1, p. 60, EDICEL.
(12) Existem ótimos livros sobre a correlação do Espiritismo com o Marxismo, suas concordâncias e divergências: PARAPSICOLOGIA E MATERIALISMO HISTÓRICO de Humberto Mariotti, EDICEL, 1983; ESPIRITISMO DIALÉTICO de Herculano Pires, Edições A Fagulha, 1971; ESPIRITISMO E MARXISMO de Jacob Holzmann Netto, Edições A Fagulha, 1970. Infelizmente, todas essas obras estão esgotadas.
(13) Segundo consta, Luciano dos Anjos é o "suject" L.A., citado por Hermínio C. Miranda no artigo "Regressão de Memória", publicado no REFORMADOR de agosto de 1972. Magnetizado pelo próprio Hermínio, L.A. afirmou ter sido o famoso revolucionário francês numa de suas reencarnações passadas.
(14) ESPIRITISMO E UNIFICAÇÃO, abril de 1986.

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