Hélio Pellegrino (1924-1988)
Psicanalista, jornalista, escritor e ativista político.
Fez parte do grupo conhecido como Os Quatro Mineiros, do qual faziam parte
Paulo Mendes Campos,
Otto Lara Resende e
Fernando Sabino .
Hélio Pellegrino
Hélio Pellegrino
Carlos Machado: a poesia de Hélio Pellegrino
Obra:
Obras deste autor ainda não catalogadas.
Alguns poemas:
MOMENTO
Oh! A resignação das coisas paradas,
grávidas de silêncio, reverentes,
em sua geometria sem jactância!
A placidez das ruas acolchoadas
contra a dura cintilação do dia;
o recato das árvores, a prece
das esquadrias de alumínio ionizado
na fachada do edifício em frente!
Todas as coisas — em clausura — cumprem votos,
enquanto a vã filosofia do século
pensa que move o mundo.
Rio, 9/9/87
ALGUMA COISA
Para Guilhermino César
Alguma coisa resta: um gesto
nos tendões da mão engelhada.
Uma efusão inacabada
na ferrugem da pele-resto.
Alguma coisa que é da raça
dos minerais, insubornável,
além do amargo e do caroável,
do que perdura — e do que passa.
Alguma coisa inscrita: um grito
no fulgor do dedo anular.
Um puro incêndio sem queimar
— como um segredo afinal dito.
Porto Alegre, 8/11/86
POEMA RASGADO
Ó borboletas de papel
janelas da insônia
turbilhonando a noite
Rio, 27/2/80
TEMPO ROMANO
Nesta espádua de pedra
pousam pássaros,
deslembrados de sonhos,
tempos, césares:
— eles, sim, são eternos.
Roma, 27/12/80
MOMENTO NO METRÔ
Se nos olhássemos
mais tempo,
levaríamos conosco
o duro, o instante,
o implacável diamante
que nos separou.
Paris, 15/12/80
VAN GOGH EM AMSTERDÃ
Por debaixo de tudo,
diques, dunas, frontões;
Por debaixo de tudo,
nobres pedras, canais
onde remam cisnes.
Por debaixo do mundo
lavra um incêndio.
Amsterdã, 1º/1/81
QUADRILÁTERO FERRÍFERO
Em tuas colinas rasas
não há vinhedos nem olivais.
Há — púrpura difícil — a hematita,
uva das Minas Gerais.
Uva sáfara, mineral,
fermentando uma pinga de poeira
cujo álcool — lâmina de rocha e cal —
torna triste a embriaguez mineira.
Embriaguez vertical, contida,
cujas cores explodem dentro
do peito: ocre violento, lacre
e prata, sol — e lua ferida.
A CEGUEIRA DE ÉDIPO
Caminha errante o velho rei da terra,
sangrando a cada passo o seu desterro.
Pesa-lhe luz demais, ausência de erro
e de noite — montanha que o soterra.
Cego de sua verdade, desenterra
do peito transfixado não o ferro
que o punge por inteiro, nem o berro
que lhe sobe das entranhas, enquanto erra.
Com sua garra terrosa de mendigo,
busca arrancar da carne não a morte
que o rodeia na treva, vinho forte
desde sempre provado. O desabrigo
que o atormenta é outro: sol candente
que vara a sua cegueira — e o faz vidente.
HERÁCLITO, O OBSCURO
A pedra se move menos que a planta.
A planta se move menos que o réptil, movendo-se sobre a pedra.
O réptil se move menos que o leopardo, na espessura da floresta.
O leopardo se move menos que o homem, faminto de espaço.
Todo ser, ao mover-se, exprime o seu desassossego: arco tendido
[ na direção do vir a ser.
A pedra tem mais sossego que a planta.
A planta tem mais repouso que o réptil.
O réptil é mais sonolento que o leopardo.
O homem, este é pura insônia — trabalho futuro, voo e flecha.
O GALO
Canto forrado em
carne, e sob as penas,
este carvão que
espreita. E salta em
arco sobre os pulmões
do dia. E bifurca a
manhã com a córnea de
seu bico.